terça-feira, 12 de maio de 2009

Hospitais: final século XIX

Um dos documentos mais antigos sobre a história da assistência médica em Macau remonta a 1575. É uma carta de D. Melchior Carneiro, jesuíta e primeiro Bispo de Macau, dirigida ao padre geral da Companhia de Jesus, em que refere: ... malcheguei, abri um hospital, onde se admitem tanto cristãos como pagãos...
De acordo com a publicação "120 anos de História do Centro Hospitalar Conde de S. Januário", é a esta obra religiosa que se ficam a dever os primeiros passos no campo assistencial e a D. Melchior Carneiro, em especial, a instituição do sistema da Misericórdia semelhante ao modelo instituído pela Rainha D. Leonor.
O Hospital dos Pobres, como era conhecido o Hospital da Misericórdia, baptizado anos mais tarde com o nome de S. Rafael (patrono dos doentes), e o primeiro serviço de apoio aos leprosos, criado aquando da sua fundação, são marcos importantes do esforço empreendido.
Já no século XVII chegam-nos as primeiras notícias de um enfermaria existente no Colégio de S. Paulo. Com capacidade para albergar 60 doentes, a assistência era prestada pelos boticários jesuítas daquele colégio que ao mesmo tempo davam apoio ao Hospital da Misericórdia.
A Botica do Colégio de S. Paulo ficou famosa pelas suas mezinhas e pelo contributo que prestou à introdução da Medicina Ocidental em Macau.
O ataque holandês em 24 de Junho de 1622 veio chamar a atenção das autoridades para a necessidade da fortificação e defesa de Macau. Cedo se fez sentir também a urgência de criar uma estrutura especialmente vocacionada para dar assistência na doença aos militares que, entretanto, se fixaram no território.
A construção do Hospital Militar só viria, contudo, a ser realizada anos mais tarde, por determinação e empenho do Governador Visconde de S. Januário.
O projecto, da autoria do capitão Dias de Carvalho, que delineou o plano, e do Barão do Cercal a quem competiu a parte arquitectónica, foi considerado na época como um dos mais modernos edifícios hospitalares. Constituído por um corpo principal a que se ligavam perpendicularmente as enfermarias gerais com uma lotação de 60 camas, contava ainda com uma enfermaria para subalternos, quartos-prisão, uma secção de isolamento e quartos para oficiais, o que perfazia uma lotação de 100 camas.
A 1 de Dezembro de 1872 era lançada a primeira pedra e a 6 de Janeiro de 1874 era inaugurado o Hospital Militar de S. Januário.

1865 - Acerca dos hospitais existentes, do Relatório do serviço de saúde de Macau, apresentado ao conselho de saude naval e do ultramar pelo dr. Lucio Augusto da Silva, cirurgião-­mór de Macau, relativo aos três últimos anos, in Boletim do Governo de Macao, n.9 34, de 21 de Agosto.
«Ha dois hospitaes em Macau, um militar e outro pertencente á santa casa da misericordia.
No Boletim do Governo faz-se mensalmente uma publicação com o titulo movimento dos doentes no hospital do Asylo dos pobres. A denominação de hospital, e mesmo de Asylo dos pobres, não me parece adequada. Este estabelecimento, imaginado e levado a efeitto pela admiravel dedicação e caridade do sr. padre Rozario de Almeida, subsistindo de esmolas particulares e administrado actualmente por uma comissão de dignos sacerdotes, recebe os chins moribundos, que para ali são conduzidos, com o principal fim de os tornar catholicos. É por isso que a mortalidade naquella casa é espantosa: no mez de março ultimo, por exemplo, tendo ali entrado 44 individuos, falleceram 39, dos quaes 33 foram baptisados.
O hospital militar acha-se estabelecido no convento que pertenceu aos frades da ordem de Santo Agostinho. Depois da extinção dos frades, serviu-se este edificio de quartel ao batalhão de 1.ª linha, e mais tarde de habitação ás recolhidas que occupam actualmente o convento da Santa Clara. A portaria do governo da colonia de 21 de novembro de 1855, extinguindo a antiga enfermaria militar, que occupava então parte do edificio do hospital da misericordia, criou o hospital militar, que, como a referida enfermaria, continuou a ocupar a mesma casa. Só em 6 de junho de 1857 é que os doentes militares foram transferidos para o edificio que presentemente occupam. A criação deste estabelecimento deveu-se ás instancias do meu antecessor o cirurgião-mór Antonio Luiz Pereira Crespo.
O edificio está collocado sobre uma collina, na distancia de duzentos metros pouco mais ou menos do mar, no centro das ruas mais habitadas pelos portuguezes, e sobranceiro a quasi todos os outros edificios proximos, dos que está convenientemente affastado. Avista-se delle o mar e uma grande parte a cidade do lado do norte, do nascente e do sul. As condições de exposição pois são boas, e seriam excellentes se do lado do oeste não ficasse elle unido á igreja.
Compõe-se o edificio de quatro corpos de construcção, dispostos de modo a formarem um
quadrado, deixando um pateo interior. Cada um destes corpos olha para um dos quatro pontos cardeaes da terra. O corpo do sul, onde fica a fachada do edificio, contem no pavimento superior o seguinte: salla das sessões e archivo da repartição de saúde, casa para recepção dos doentes, quarto do enfermeiro-mór, casa de deposito dos appositos e instrumentos cirurgicos, dois quartos para os officiaes, um com quatro e outro com duas camas, e em frente destes quartos um corredor com uma janella no fundo aberta para leste. No pavimento inferior ha a casa da guarda, e dois calabouços soalhados, um com capacidade para oito e outro para duas camas.
O corpo de leste comprehende no pavimento superior duas enfermarias, separadas por uma pequena casa, onde estão os instrumentos metereológicos, uma das quaes tem treze e a outra quatorze camas, podendo cada uma delias conter, em caso de necessidade mais duas. Parallela a estas duas enfermarias ha um corredor com janella para o pateo interior. No pavimento terreo fica a casa das autopsias e uma grande enfermaria soalhada, que só uma vez, em occasião de pinturas no edificio, foi occupada pôr doentes. Esta enfermaria tem espaço para dezoito
camas. O corpo do norte compõe-se de um extenso corredor, parallelos e ao norte do qual ficam o quarto dos ajudantes de enfermeiro, duas enfermarias, cada uma com sete camas, o quarto do segundo enfermeiro, a casa de deposito das roupas, e na extremidade de leste a latrina. No lado opposto do corredor ha tres quartos, para os officiaes inferiores, com janellas para o pateo interior e contendo duas camas cada um. No pavimento inferior fica a casa dos banhos e de deposito dos utensilios &c.
O corpo do oeste é apenas um corredor com janellas para o pateo central, ficando do outro lado unido á igreja e por conseguinte privado desse lado da necessaria ventilação. Contem treze camas. O corredor do pavimento inferior serve de passagem para a sacristia da igreja.
O hospital tem tres quintaes, em um dos quaes, appenso ao corpo do norte, fica a cozinha, a casa dos serventes chins e um poço de abundante e boa agoa; e em outro, ligado ao corpo de leste, plantaramse ha pouco tempo algumas arvores com o fim de se fazer um pequenp passeio para os convalescentes.
O edificio está velho. Nas occasiões das grandes chuvas e vento o tecto exige sempre concertos que nunca o põem de modo a não carecer delles nessas occasiões. Só dispendiosas obras dariam a este edificio todas as condições que requer um bom hospital. Entretanto, sem grande dispendio se podem melhorar muito as condições hygienicas das enfermarias, abrindo algumas janellas e dando ás que existem a forma propria para a ventilação de differentes modos. Sua Ex.ª o governador está disposto a mandar fazer algumas obras neste sentido, O edificio, porem, está a todos os respeitos em mui conveniente estado de aceio.
No hospital militar não faltam roupas e utensilios necessarios para o seu serviço. Quando cheguei a esta cidade fiz uma extensa requesição, que foi satisfeita e que veio supprir algumas faltas. Hospital da misericórdia.
Este hospital, denominado de S. Rafael, foi estabelecido em 1569 por D. Belchior Carneiro, bispo de Nicea e governador do bispado da China e do Japão, ao mesmo tempo que fundava a santa casa da misericordia, de que foi o primeiro provedor. Consta isto de uma biographia do mesmo bispo, porque os livros mais antigos que podem ser consultados neste estabelecimento datam - um de 1743 e outro, não original, de 1722.
Em 1747 o provedor Luiz Coelho propoz e levou a effeito como se lê em uma das actas das sessões da meza da misericordia d .aquelle anno, a reedificação do hospital por ser logar immundo e incapaz de poder ficar criatura humana e precisar de portas, janellas, nova capella e logares separados para os dois sexos. Uma inscripção que se vê na fachada do edifício declara que este fora feito pelo referido provedor.
Em 1840, por iniciativa do cirurgião Francisco Antonio de Seabra, então provedor, emprehenderamse novas e importantes obras, consistindo ellas principalmente na construcção de um segundo pavimento, que não existia até ali, e de novo tecto.
Para esse fim abriu-se uma subscripção que entre os portuguezes e estrangeiros da cidade produziu a quantia de 3:303 patacas. As obras, que custaram 3:194 patacas, terminaram em 1842, no decurso do qual anno, tendo occupado o logar de provedor o cirurgião Philipe José de Freitas, fizeram-se mais alguns melhoramentos no edifício pela quantia de 884 patacas.
Acha-se collocado o edificio á base de um monte, que o abriga da parte do norte, em um logar baixo, humido e cercado de habitações particulares, muitas das quaes lhe ficam em um nivel superior. Faltam-lhe portanto as principaes condições de exposição que requerem os estabelecimentos desta ordem. É formado de um unico corpo de construcção, lançado quazi na direcção de es-nordeste para oes-sudoeste, tendo outras dependencias em cada uma das extremidades.
Este corpo é dividido por uma capella central em duas partes iguaes, inteiramente semelhantes, que se communicam interiormente pelo coro da mesma capella. De cada lado desta ha um vestíbulo por onde se entra para as enfermarias. Cada uma das partes tem dois pavimentos.
A metade de es-nordeste, que é destinada aos doentes do sexo masculino, tem no pavimento inferior uma unica enfermaria com oito janellas oppostas, quatro abertas para o quintal e as outras quatro para o pateo da entrada. Estas janellas, bem como as da enfermaria do pavimento inferior da metade de oessudoeste, foram ultimamente rasgadas até ao soalho, por pedido meu a Sua Ex.ª o governador n.uma visita que fez a este estabelecimento, com o fim de dar ás enfermarias, que são um pouco humidas, ar e luz que lhes faltavam. A enfermaria tem 16 metros de comprimento, 8 metros e 8 centímetros de largura e 3 metros e 4 centímetros de altura. O pavimento superior é formado de uma casa com 19 metros e 8 centímetros de comprimento, 3 metros e 9 centímetros de altura e a mesma largura da enfermaria inferior.
Este pavimento é dividido pelo meio em um corredor com cinco janellas para o quintal e em quatro quartos para doentes particulares, cada um com uma janella para o pateo da entrada. Na extremidade desta metade do edificio ficam appensos no pavimento superior mais tres quartos para os que soffrem doenças contagiosas, e no pavimento inferior a casa de deposito de medicamentos e appositos cirurgicos.
A metade oes-sudoeste, occupada por mulheres, tem no pavimento inferior uma unica enfermaria comas seguintes dimensões; 10 metros de comprimento, 8 metros e 8 centímetros de largura e 3 metros e 4 centímetros de altura. As janellas são em numero de seis, tambem oppostas e abertas do mesmo modo que as da enfermaria do pavimento inferior da outra metade do edificio. O pavimento superior tem uma casa com as mesmas dimensões, o mesmo numero de janellas, e a mesma divisão do pavimento superior da parte opposta. Na extremidade ficam duas casinhas onde residem o enfermeiro e o escripturario do estabelecimento.
O hospital tem um quintal que tambem está dividido, pertencendo parte á repartição dos homens e parte á das mulheres. No quintal ficam dois calabouços que não ão soalhados, a cozinha que é má, a casa de deposito dos mortos, e pequenas habitações para
velhos e velhas indigentes que a santa casa da misericordia admitte e sustenta. Na parte do quintal pertencente ás enfermarias das mulheres ha um poço, cuja água é boa, mas insufficiente para os gastos do estabelecimento, sendo preciso nas occasiões de secas vir agua de fóra. Era conveniente abrir um poço no quintal do outro lado, não só para haver água sufficiente, mas para evitar a communicação frequente de uma parte do hospital com a outra.
O edificio precisa de mais algum aceio e limpeza. Se bem que este estabelecimento não apresenta grandes faltas, não está contudo sufficientemente munido de roupas e utensilios necessarios e adequados para o uso dos doentes, nem tem instrumentos cirurgicos capazes, servindo em caso de necessidade os do hospital militar. Pela copia do inventario que remetto, V Ex.ª melhor verá o estado das cousas a este respeito. Vão tambem a tabella das dietas, o modello antigo das papeletas dos doentes e o que fiz adoptar quando aqui cheguei, mas que não foi ainda impresso. Adoptei neste como no hospital militar, por ser deficiente o phormulario manuscripto que servia, o phormulario do hospital da marinha de Lisboa, acrescentando­lhe algumas formas uteis neste paiz, enquanto não confecciono um formulario mais adequado a este clima. O numero e mais circumstancias dos empregados do hospital acham-se declarados na relação que adjunto a este relatorio. Com o titulo de regulamento ha apenas umas instrucções (para o enfermeiro e enfermeira) que datam de 1837 e cujas copias remetto.
Os lucros que resultam do tratamento de alguns doentes, e que são os unicos rendimentos do hospital, não chegam para as despezas. O movimento dos doentes é pequeno e a maior parte delles são pobres. A media tirada dos ultimos tres annos dá um movimento annual de 131 doentes. A media das despezas annuaes do hospital, tirada dos seis ultimos annos, de 1859 a 1864, dá a quantia de 1:480 patacas por anno, e a dos productos dos doentes dos mesmos annos a quantia de 564. Vê­se pois que a receita chega apenas a pouco mais de um terço da despeza. A sancta casa da misericordia parece não ter meios sufficientes para por o seu hospital no estado em que convinha que estivesse. Certas reformas, que os preconceitos talvez impeçam, diminuiriam de um lado as suas despezas, que seriam bem empregadas no hospital.
As fontes da sua receita são as seguintes: um legado na Fazenda pública de 22:399 patacas, que dão o rendimento de 5 por cento ao anno; 30:000 patacas em differentes bancos de Hong Kong, rendendo 5, 6 e 7 por cento; 1:300 patacas pouco mais ou menos de alugueis de 13 pequenas propriedades de casas; 52 patacas de fôro de dois terrenos; 788 patacas do beneficio de 4 lotarias por anno, e 564 patacas que rende o hospital, afóra pequenas receitas extraordinarias. Tudo isto produz annualmente, tirando a media dos seis ultimos annos, a quantia de 5:918 patacas. A despeza é, obtida a mesma media, de 6:315. Só no anno de 1862 houve um remanecente de 191 patacas. Conclue-se desta resumida indicação que as circumstancias actuaes parecem não permitir grandes melhoramentos no hospital da misericordia.

Asilo dos orphãos

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