sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Morreu o"general"

Morreu na passada terça-feira (dia 15 de Novembro), no Hospital C. S. Januário, o guarda da 1ª. Classe aposentado, Francisco de Sá Azevedo Ferreira (mais conhecido por "General"). Tinha 87 anos de idade. Já depois de reformado Francisco Azevedo tomou conta dos deficientes mentais que se encontravam no Posto da PSP junto ao Canídromo, tratava dos equipamentos dos grupos desportivos da polícia e dos jardins de três esquadras. «Dantes também tinha aqui uma horta (esqudra nº2)», disse à Revista Macau há uns anos, acrescentando ainda que «Cheguei a oferecer mais de 100 couves portuguesas por alturas do Natal». Eu e a minha família podemos comprovar. A figura imponente e o bigode retorcido e bem tratado valeram-lhe o cognome de "general"... Como meio de transporte não prescindia do seu motociclo. Voltemos à revista Macau para recordar "o general" que fez o serviço militar durante a II Guerra Mundial.
"Em Junho de 1946 o seu batalhão foi destacado para Macau. Nessa altura ia-se facilmente à China, buscar materiais e até passear. «Em 1947 foi enviada uma delegação militar a Cantão e em 1948 a filha de Chiang Kai Chek veio de visita a Macau, num barco de guerra», relembra o então soldado raso. Porém em 1949, após os comunistas assumirem o poder, fecharam-se as Portas do Cerco. Nessa altura a única rua alcatroada era a Av. Almeida Ribeiro e a Areia Preta era um porto de abrigo. «Só havia pequenos negócios, de peixe salgado, panchões, ou fósforos, algumas lojas que vendiam de tudo e casas de chá», recorda. Transportes, só as carreiras para a China e os riquexós. «Entrei uma vez num mas ao fim de 200 metros saí. Tive pena do homem, a puxar descalço, arreado como um animal», conta. Nunca mais andou de riquexó.
Os portugueses eram quase todos militares e os macaenses empregados da administração pública. Os divertimentos eram poucos, segundo o guarda reformado. «No Hotel Central e no Hotel Xavier havia jogo e dança mas só lá entravam os oficiais.» «Um soldado ganhava 30 patacas e um guarda 200», especifica. Quando entrou para a polícia em 1950 começou por receber 245 patacas e fardamento. «Dava para viver mal». Mesmo assim, nesse ano, casou-se com uma senhora chinesa. «A princípio mal conseguíamos falar mas com o tempo ela aprendeu a língua e a cozinha portuguesas». Também ele aprendeu a falar cantonense, em parte nos cursos que eram obrigatórios para os guardas portugueses. Hoje usa a língua com destreza e rapidez, como se fosse um falante nato.
Sempre ligado ao desporto, era a Francisco Azevedo que competia cuidar do campo de futebol por trás do Posto nº2, o que fazia ajudado por um grupo de presos, «pakfanistas», deficientes e outros indigentes que estavam a cargo da PSP antes do IASM assumir essa responsabilidade. «Sempre lidei bem com eles e os outros polícias não se importavam com o que lhes acontecesse», justifica. Hoje, trata ainda de um grupo de oito indigentes, que comem e dormem ao lado do jardim da esquadra.
Para além do «1,2,3» um dos momentos mais marcantes da história de Macau foi, segundo o «General», o ataque dos chineses na fronteira, em 1952. Quando um soldado de Macau entrou em terra de ninguém para fechar as portas, ao anoitecer, foi atingido numa perna por um tiro do lado chinês. Esvaiu-se em sangue antes de ser socorrido. O governo pediu voluntários para fechar a porta e quando estes o foram fazer os chineses lançaram granadas. «Nessa altura havia cerca de cinco mil soldados em Macau», diz o polícia reformado. A resposta à provocação não tardou «Morreu muita gente do lado de lá sobretudo, civis que viviam em barracas junto à fronteira», relata o «General» que esteve «agarrado» a uma metralhadora no terraço do Posto nº2. Mais tarde houve conversações e Macau pediu uma indemnização para as famílias dos falecidos. «Já nessa altura se falava em entregar Macau, mas os chineses não quiseram», conta.
A partida dos portugueses não o assusta. «Sempre tive mais amigos chineses que portugueses». Apesar de não ter filhos, a esposa tem cá a família, nomeadamente a mãe que vive em Cantão e tem mais de cem anos de idade. «Penso que não haverá grandes desacatos. Talvez algumas rixas provocadas pelos pés descalços levados pela propaganda». Mas, até ver, vai ficando, se bem que não prescinda de umas visitas a Santo Tirso onde toda a sua família se dedica à agricultura e horticultura.
Excerto do artigo da autoria de Clara Gomes publicado na revista Macau em Dezembro de 1999.

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