quinta-feira, 31 de julho de 2014

Restaurante "Macau" no Brasil

Lam Chon Chong nasceu em Macau em 1929. Em 1960 partiu para Moçambique para trabalhar como chef num restaurante chinês e deixou em Macau a sua mulher, Lam Leong Oi Fun e os quatro filhos. Em 1970, Lam Leong Oi Fun foi ao encontro do marido, em Moçambique, com seus filhos. Em 1972, a família reunida abriu seu próprio restaurante chinês (imagem abaixo). Com a Guerra da Independência de Moçambique, "a família Lam viu a necessidade de continuar a busca pelo seu sonho em outro local."
Como tinham amigos no Brasil, em 1974, decidiram partir de Moçambique e emigrar para as terras brasileiras. Em 1975, a família Lam chegou ao Rio de Janeiro, onde permaneceu por seis meses. Numa visita a amigos conheceram Belo Horizonte e decidiram que Minas seria um óptimo local para abrir um restaurante (primeira imagem). Foi isso que veio a acontecer em Dezembro de 1975 quando inauguraram o "Macau" na avenida do Contorno com a Rua Leopoldina. Em 1980, o restaurante mudou para a avenida Olegário Maciel, onde permanece até hoje.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

O cruzador S. Gabriel

“Foi o «S. Gabriel» não só o primeiro navio de guerra portuguez que realisou uma viagem de circum-navegação, mas o primeiro navio portuguez que passou pelo estreito de Magalhães e Canaes da Patagonia, e entrou nos portos do Chili, Peru, Panamá, Mexico, California e ilhas de Hawai, fazendo, sem dúvida, uma das mais interessantes, se não a mais interessante viagem, dos ultimos annos.” 
Palavras do autor, António Aloísio Jervis de Atouguia Ferreira Pinto Basto, que foi o comandante do S. Gabriel, do livro editado em 1912.
A viagem de circum-navegação começou em 1909. Num jornal da época publicou-se a seguinte notícia:
"Ontem à tarde, saiu da barra do Tejo cruzador S. Gabriel, conduzindo a bordo os aspirantes de marinha. Um dos propósitos dessa viagem, que não deve durar menos de 15 meses, é levar a portos remotos saudação da pátria aos portuguezes que o destino collocou em affastados pontos do globo muitos dos quaes ainda não foram visitados officialmente por um navio de guerra portuguez. O S. Gabriel" toca na Madeira, Cabo Verde, Montevideo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Porto Luiz, Buenos-Aires, e, passando pelo estreito de Magalhães, tocará depois no Perú, (...) Portos da China, Batavia, Timor, seguindo para Colombo, Bombaim, Mormugão, Moçambique, Cabo, Loanda, (...)"
Facto curioso, o S. Gabriel estava em viagem quando em Portugal se deu a passagem da monarquia para a República. Ainda assim, a viagem não sofreu alterações embora passasse a navegar com outra bandeira que não a da monarquia. Mais sobre a viagem aqui
O São Gabriel, juntamente com o São Rafael, eram conhecidos por os "Anjos". Foram encomendados aos estaleiros franceses de Le Havre no âmbito do programa de reequipamento da Marinha Portuguesa. Os navios eram do tipo cruzador protegido de 3ª classe e foram os primeiros navios portugueses a terem instalado um sistema de comunicações TSF. Destacaram-se ainda por:
- o S. Gabriel foi o primeiro navio moderno português a efectuar uma viagem de circum-navegação.
- o S. Rafael tomou parte activa no golpe militar de 1910 que implantou o regime republicano em Portugal, derrubando a Monarquia Constitucional ao bombardear o Terreiro do Paço e o Palácio das Necessidades onde se encontrava o Rei D. Manuel II.
O S. Rafael ficou inactivo depois de encalhar na foz do rio Ave em 1911. O S. Gabriel manteve-se ao serviço até 1924.

terça-feira, 29 de julho de 2014

Anúncio 1941: malas de cânfora

"Aceitamos ordens para aquisição de malas e mobílias de cânfora ou teca, bem como mobílias de pau preto. A Lusitana. Av. Almeida Ribeiro, nº 1-B"
Anúncio publicado em 1941 no jornal "A Voz de Macau"

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Recordações do "Sarangong"

Quando chegava o Verão o céu de Macau coloria-se com centenas senão milhares de papagaios de papel. Numa época em que não existia a prisão da televisão, nem dos PC e nets, nem dos segas e quejandos, o papagaio de papel era a forma de divertimento mais popular e barata. Para miúdos e graúdos. Havia-os à venda, mas os craques tinham gosto em construir o “seu papagaio”. Alguns conseguiam imprimir uma forma e uma cor que quando eram lançados, os seus construtores eram imediatamente reconhecidos. Os meus Pais eram grandes “craques” nesta actividade.
Tudo começava com a escolha do papel de seda e da cana da índia que iria servir de estrutura. Depois, era o rolo de linha de uma determinada espessura e bastante comprida.
Com o papagaio construído, normalmente tinha a forma de losango, seguia-se o tratamento da linha. Esta tinha de ser toda passada por uma massa feita de cola e vidro em pó (que se obtinha esmagando garrafas velhas, com um martelo ou de outra forma). O fio, depois de seco, ficava cortante como faca. Finalmente, era só atravessar um pau no meio do rolo e estava-se pronto para o combate aéreo.
Pois era disso que se tratava. Aliás, havia uma espécie de código de honra que se respeitava. Os papagaios com rabo não eram atacados. Normalmente, eram de miúdos pequenos que se divertiam lançando apenas o papagaio, que com o rabo eram mais estáveis mas lentos nas manobras e voavam mais baixo.
Os “Combatentes”, apareciam sem rabo, normalmente eram mais pequenos e muito velozes nas manobras. Desafiavam-se entre si e davam origem a verdadeiros bailados aéreos. Aqui entrava o tal fio impregnado de pó de vidro. A táctica era simples: cada um tentava cruzar o seu fio com o do adversário, ficando por cima. Nessa altura largava linha a toda a velocidade na intenção de cortar o fio do que ficava por baixo. Caso conseguisse, havia um papagaio a esvoaçar sem controle, à mercê de quem o apanhasse.
Mas as coisas nem sempre eram assim tão simples. Se o opositor fosse bom, em dois tempos saía debaixo e passava para cima e tudo recomeçava. Outras vezes, ao largar a linha esta acabava e era a vez do de baixo largar linha e cortar o fio do que estava em cima. Eram autênticos desafios aéreos, de ataca e foge, de corta-corta, que só por si já eram um espectáculo, com papagaios em voo picado e outros em "loopings" defensivos.
Avô-Pá também largava papagaios. Mas construía-os como se faziam em Portugal: grande, com forma hexagonal e um longo rabo cheio de laços coloridos. Quando aparecia a “Estrela”, nome por que era conhecido, todos já sabiam que era do Chefe Amarante. Ninguém se metia com ele, por que sabiam que a “Estrela” não tinha capacidade de manobra, nem estava lá para desafiar ninguém. Eu ainda vi uma vez a “Estrela” impávida e serena com o rabo a dar a dar e à volta era uma guerra que lembrava os combates aéreos dos filmes da 2ª Guerra.
Contava a minha Mãe, que uma vez, houve um chico-esperto que cruzou o fio com o da “Estrela” e cortou-o, caindo no pátio dos Bombeiros. Avô-Pá, desceu do terraço, identificou o “herói”, agarrou no rolo deste partiu-o ao meio e cortou-lhe a linha. E depois disse-lhe que para a próxima era na cabeça dele…Remédio santo: nunca mais ninguém se atreveu a meter-se com a “Estrela”.
Texto e foto de Reinaldo Amarante do seu blog Conversas com Avó-Má
Foto: O pai de Reinaldo Amarante na última comissão que fez em Macau no final da década de 1950, num intervalo de uma cerimónia oficial, a manobrar um papagaio. O passatempo - típico do Verão - consistia na largada do papagaio de papel também chamado o ‘sarangong’, preso à linha, esta de antemão preparada e tratada por uma massa de farinha, gema de ovo e vidro em pó que a tornava cortante. Desta forma estava lançado o desafio a outro papagaio para um despique em que o objectivo era cortar a linha do outro. Daí que também se usasse a expressão ‘corta-corta!

domingo, 27 de julho de 2014

Macau n'O Panorama

Artigo sobre Macau no jornal O Panorama: "jornal literário e instructivo da sociedade propagadora dos conhecimentos úteis", publicado em Portugal entre 1837 e 1868 com algumas interrupções pelo meio. Na ilustração vista parcial da baía da Praia Grande.

sábado, 26 de julho de 2014

"Os Chins de Macau": 1867

Um destes dias encontrei num leilão um exemplar deste livro de Manuel de Castro Sampaio, editado em Hong Kong em 1867 (Typografia Noronha e Filhos) em que a base de licitação era 4 mil dólares (mais de 40 mil patacas). Do livro extraí um excerto sobre as diferentes povoações do território - respeitando a grafia de meados do século XIX - ainda dividido entre cidade chinesa (a zona do bazar) e a cidade cristã.
"Uma das primeiras fica próxima da Fortaleza da Barra e é por isso chamada Povoação da Barra. A outra acha-se na encosta outeiro da Penha onde (...) está a a fortaleza do Bom Parto e onde se encontram as mais lindas chácaras de Macau. Esta é conhecida pelo nome de Tanque-Mainato, nome derivado de um tanque de lavadeiros ou mainatos, como lhes chama no paiz. As outras três povoações são denominadas de Patane, Mong-ha e S. Lazaro. Patane é de todas as cinco a mais importante, pela sua industria fabril e pelo seu comercio, principalmente em madeiras de construção. Esta fica no litoral do porto interior, tendo Mong-ha do lado opposto, onde existe a maior parte dos agricultores e onde há alguma indústria e comercio, como em todas as outras povoações, excepto a do Tanque-Mainato, onde pouca industria e nenhum comercia ha por ser um povoado insignificante. A povoação de S. Lazaro, que está em continuação da cidade cristã, é onde principalmente habitam os chins que não têm abraçado o christianismo. Nesta povoação há além da Igreja de s. Lazaro, que é o mais antigo templo de Macau, uma pequena capella a cargo de um sacerdote catholico, que se dedica à catechese. Entre Patane e Monghá, povoações que se dilatam até ao isthmo, existem diversas hortas, nas quaes se encontram algumas centenas de humildes tugurios, habitados por agricultores e mendigos. A maior parte destas hortas pertence a Monghá. As restantes são de Patane. Finalmente no Bazar há um theatro chinez (auto-china) e em diferentes pontos têm os chins os seus pagodes, em parte dos quaes habitam os bonzos ou sacerdotes chineses, e em todos é exercido o culto publicamente. (...) Há ainda umas povoações fluctuantes no rio e na Bahia da Praia Grande. Ali existem numerosas famílias que habitam em maiores e menores embarcações. Os seus misteres são diversos, como o de praticos de costa, o de pescadores, etc. e muitas das mulheres empregam-se em conduzir passageiros e mercadorias para bordos dos navios fundeados e para as ilhas circunvizinhas. (...)
Manuel de Castro Sampaio (1827-1875) era jornalista. Prestou serviço como Capitão da guarnição em Macau. Juntamente com António Feliciano Marques Pereira, José Gabriel Fernandes, Pereira Rodrigues, Osório Cabral de Albuquerque, José da Silva e Meyrelles de Távora fundou o semanário «Ta-Ssi-Yang-Kuo» publicado entre 1863 e 1866.  Foi sócio-correspondente da Real Sociedade Asiática de Londres (“Royal Asiatic Society“).
Para além do livro acima mencionado foi ainda autor de: Pobreza envergonhada (Valença, 1852); Compendio de hygiene popular – tradução livre do texto de D. FranciscoTamires Vaz, (Elvas, 1860); Victimas de uma paixão (Lisboa, 1863); Memorias dos festejos realizados em Macau no fausto nascimento de S. A. o sr. D. Carlos Fernando (Macau, 1864); Compendio de ortographia (Macau, 1864).


sexta-feira, 25 de julho de 2014

Três instantâneos por fotógrafos chineses: década 1980

Banda da PSP no Largo do Senado. Foto de Ma Chi Son
Praça Ferreira do Amaral vendo-se ao fundo o Liceu, hotel Sintra, Edifícios Rainha D. Leonor e Luso. Foto de Kuong Ion Long.
Uma "pinga" na Rua da Aleluia. Foto de Mak Chu Fat

quinta-feira, 24 de julho de 2014

D. Frei Manoel de S. Galdino: 1769-1831

Dom Frei Manoel de São Galdino, O.F.M. (Lisboa, 18 de Abril de 1769 — Goa, 15 de Julho de 1831) (em chinês tradicional, 賈定諾) foi um prelado português. Foi ordenado padre em 4 de Agosto de 1793, pela Ordem dos Frades Menores. Em 27 de Março de 1803, foi instalado como bispo de Macau, cargo que exerceu até 1804, quando foi nomeado Arcebispo-coadjutor de Goa. Assume a arquidiocese em 10 de Fevereiro de 1812, sendo seu prelado até morrer em 1831. Durante sua prelazia em Goa, foi membro do 14.º Conselho de Administração da Índia Portuguesa.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Uma carta que escapou à censura: 1942


Numa carta enviada ao noivo, em Portugal, uma residente de Macau escreve assim a 23 Julho de 1942: “E agora, passando ao assunto do dia: como deves calcular Macau está desde o princípio da guerra com uma população aumentadíssima, pois que todos se recolhem a este cantinho onde, graças a Deus, se está relativamente bem. Entre os muitos que vieram figura grande número de bandidos, assassinos (...) Os assassinatos e os roubos sucedem-se uns aos outros com uma rapidez espantosa, de modo que não é aconselhável saírmos sós ou andarmos pelas ruas mais internas. (...) Por miséria e por ambição algumas das quadrilhas matam os descuidados que conseguem encontrar e comem-nos ou vendem-nos. Calcula tu ao que nós chegámos!!! Têm-se encontrado imenso abrigos cheios de ossadas humanas e até pelas ruas corpos meio escarnados. Os assassinos quando presos confessam abertamente que comeram a carne ou a venderam!!! De inquérito em inquérito o governador prendeu um dos cozinheiros do hotel Central que confessou que desde há dois anos cozinhava carne humana e a vendia a quem a comprasse”.
Zona do Porto Interior vendo-se ao fundo do Grand Hotel Kuok Chai
A carta enviada pela macaense para o noivo, 2ª tenente da Marinha, com morada em Algés, escapou à censura. O padre Manuel Teixeira corrobora esta e outras histórias semelhantes. Dizia que lhe tinham sido contadas por Evaristo Mascarenhas, juíz em Macau nessa época, bem como por outras pessoas que testemunharam actos similares.
Sugestão de leitura: "Macau 1937-1945:os anos da guerra". IIM, 2012

terça-feira, 22 de julho de 2014

Macau na "Librairie Larousse"

Em 1984 a Librairie Larousse, de Paris, publicou uma série de fascículos dedicados à China milenar, incluídos na sua colecção “Des Pays et des Hommes”. A Selecções do Reader’s Digest pegou nesse trabalho e em 1992 apresentou uma versão em língua portuguesa. Macau não foi esquecido. Teve 'direito' a três páginas e quatro fotografias (ruínas de S. Paulo e três de aspectos pitorescos da cidade). Eis alguns excertos do artigo intitulado “Macau: no estuário do Rio das Pérolas”.
Sobre as ruínas de S. Paulo
“Um punhado de garotos sobe a correr as majestosas escadarias da catedral de São Paulo. Têm a pele dourada, olhos amendoados e cabelos de um negro brilhante, mas, surpreendentemente, vestem meias e calções compridos, e ‘blazers’ azuis escuros com botões de metal. É o uniforme de um colégio católico português. Passam a gritar pelo grande portão, sem um olhar para a imponente fachada barroca - um enorme esqueleto de pedra cinzenta pesadamente trabalhada, o último resquício do edifício original. O histórico monumento bem pode ser a igreja mais fotografada de todo o Sueste Asiático; nada disso interessa a este bando de diabretes. De momento, estão completamente absortos na observação de dois adolescentes, que de ‘jeans’ e ‘t-shirts’, com o nome de uma universidade americana jogam ‘jai alai’, uma espécie de pelota basca trazida da Espanha, via Filipinas. A catedral foi desenhada por um jesuíta italiano e construída por japoneses cristãos no princípio do século XVII, para maior glória da sua religião adoptiva. Desde então, tem tido uma história agitada. O Marquês de Pombal, que expulsou os Jesuítas de todas as colónias portuguesas, destruindo-lhes o poder económico e político, transformou a basílica em quartel. Depois, o edifício foi consideravelmente danificado por um incêndio. Finalmente, em 1853, um tufão destruiu o resto. Agora, as ruínas são apenas um atractivo acessório para as máquinas fotográficas dos turistas.” (...)
Sobre o dia-a-dia na década de 1980 e as origens de Macau
“Macau é um lugar estranho. Não passa de um ponto no mapa da China, umas poucas linhas nos livros de História, alguns parágrafos no fim dos guias de viagens. Só lá se chega de barco, a partir de Hong Kong, e os turistas nunca ficam mais de algumas horas. Os visitantes regulares são na sua maioria cidadãos de Hong Kong, que aqui vêm nos fins-de-semana para escaparem à agitação frenética da sua própria cidade, visitar parentes ou jogar nos casinos. Ignorem-se as decorações chinesas e, por momentos, julgar-nos-emos num porto português, ou pelo menos em qualquer pequeno porto mediterrânico. Há o mesmo barulho, o mesmo lixo, as mesmas cores esbatidas, os mesmos cheiros a peixe seco e batatas fritas. A atmosfera é simultaneamente buliçosa e descontraída. Há aqui poucos contrastes, e muito poucos preconceitos raciais. Os rostos das pessoas revelam a velha estabilidade das relações entre as colónias portuguesa e chinesa. Macau é um casamento perfeito, uma coexistência natural, uma ligação social que dura há mais de quatro séculos. Por isso deve começar aqui a nossa viagem pela China insular.
Se Macau, Hong Kong e Taiwan alguma vez forem simples notas de rodapé na História da China, Macau terá ao menos sido a que durou mais tempo. A cidade foi a chave que abriu as portas da China aos ‘gweilo’ - os diabos estrangeiros. Na primeira metade do século XVI, quando os Portugueses chegaram aos mares da China, a dinastia Ming estava em declínio. A China fechava-se sobre si mesma, como uma flor ao crepúsculo. Os nómadas galopavam em direcção a Beijing, os piratas assolavam a costa, o imperador tentava isolar-se e fechar as portas às influências do exterior. A Europa, pelo contrário, estava no auge da sua expansão marítima. O papa Alexandre VI dividira o mundo pagão em duas metades, ao traçar no Atlântico uma linha situada 2800 km a oeste de Cabo Verde, dando o Oriente a Portugal e o resto à Espanha, duas grandes potências marítimas dedicadas a trocar os benefícios da civilização cristã pelo ouro do Eldorado. A Europa expandia-se enquanto a China se retraía; eram as imagens reflexas uma da outra. Os portugueses contactaram a China marítima, uma parte do país que pouca relação tinha com a China camponesa do Reino do Meio e as suas grandes planícies. O litoral imenso e rochoso que se estende da foz do Chang Jiang até Guangzhou, no Sul, é recortado por inúmeras baías e salpicado por centenas de ilhas, minúsculas quase todas, grandes duas delas: Hainan e Taiwan. Toda a sua economia assenta no mar, e os seus produtos sempre foram muito diferentes dos do resto da China. A população é cosmopolita, embora as gentes tenham conservado os seus dialectos e tradições especiais.” (...)
Vista sobre o Porto Interior na década de 1950
“Quando os ataques dos piratas japoneses, os ‘wokou’, contra as costas chinesas levaram à quebra das relações diplomáticas e comerciais entre os dois países, o contrabando e a pirataria recrudesceram. A despeito dos tufões, dos recifes, dos bancos de areia e de uma concorrência literalmente assassina, os negócios iam de vento em popa. Não era, porém, vida para corações débeis. Um aventureiro português resumia assim a sua existência: ‘Feito escravo treze vezes, vendido dezassete, na Índia, na Arábia, na Tartária, em Madagáscar, em Sumatra e numa dúzia de outros reinos ou províncias do arquipélago oriental a que Chineses, Siameses, Goeses e Laocianos chamam as pestanas do mundo’.

Como todos os outros bárbaros, os Portugueses não tinham o direito de estabelecer entrepostos comerciais na China. Os seus navios ancoraram pela primeira vez no estuário do Zhu Jian em 1513. Seguiram-se outras visitas em 1522, e o estabelecimento ilegal, em Macau, de uma base de que a administração central só teve conhecimento treze anos mais tarde. Passou-se muito tempo antes que os Chineses pudessem reconhecer esta afronta à sua dignidade sem ‘perderem a face’. A oportunidade só viria a surgir em 1554. Quando Leonel de Souza, comandante de uma frota de dezassete navios bem armados, entrou no estuário do Rio das Pérolas, uma enorme armada pirata ameaçava Guangzhou. Em desespero de causa, o governador da cidade pediu ajuda aos portugueses, seguindo o velho provérbio chinês que aconselha: ‘Para te livrares dos bárbaros, deves recorrer aos bárbaros’. Os portugueses eliminaram a oposição sem dificuldade e, em jeito de agradecimento, a sua presença na área foi reconhecida oficialmente, sendo-lhes concedida autorização para se instalarem numa pequena península a ocidente da foz do Rio das Pérolas. A Europa tinha a sua primeira testa-de-ponte na China. Macau transformou-se num trampolim para os Jesuítas, permitindo-lhes internarem-se no continente, e a cidade tornou-se também o centro do comércio português durante 100 anos.”

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Governador Sanches de Miranda: 1865-1931

Aníbal Augusto Sanches de Miranda (1865-1939) foi Governador (interino) de Macau de 14 de Julho de 1912 a 10 de Junho de 1914 e nesses anos lidou de perto com a implantação da República na China e seus reflexos no território. Iniciou a carreira militar em 1881 em Portugal e passou por Angola e Moçambique. Foi na condição de militar que serviu em Macau entre 1908 e 1910 na Companhia Europeia de Artilharia. Representou o território nas chamadas Conferências do Ópio. Nos anos seguintes comandou as fortalezas e depois assumiu interinamente o cargo de governador durante cerca de dois anos. Seguiu depois para a Índia e regressou a Portugal em 1919 onde comandou o Regimento de Artilharia 1.

Era engenheiro e foi no seu governo que foi executado um dos troços do que viria a ser em 1918/19 a av. Almeida Ribeiro, (desde o Porto Interior à Praia Grande) tendo para isso destruído uma parte da zona antiga do Bazar. Esta avenida receberia o nome do Ministro das Colónias em Portugal que dera luz verde ao projecto. "Os chineses, porém, ignorantes de quem fosse Almeida Ribeiro (que para além do mais nunca tinha visitado Macau) decidiram atribuir à nova avenida o nome de “San Ma Lou”, ou “Tai San Ma Lou”, em português, Grande Rua Nova dos Cavalos. Tal designação que revelava um ponto de vista diferente, afigurava-se muito mais realista, já que se tratava da mais larga avenida de uma cidade onde imperavam ruas estreitinhas e sinuosas, através das quais nunca as paradas de cavalaria tinham podido desfilar antes, pelo menos com o garbo que as larguezas dos grandes planos concedem aos capacetes faiscantes e às fardas reluzentes. Foi assim, tendo em conta o nome de um ministro que ninguém conhecia e a largueza da nova via que todos decidiram conhecer a avenida pela designação chinesa de San Ma Lou, obliterando o ministro de Lisboa." João Guedes
Rua Sanches de Miranda na década de 1970 
(entre a Estrada do Cemitério e Rua Tomás Vieira)

Fotos de Karsten Petersen
Em baixo: sucessão de imagens do mesmo edifício ao longo de várias épocas


domingo, 20 de julho de 2014

Sugestão de leitura: "Chinezinha"

Sugestão de leitura:  "Chinezinha" da autoria de Maria da Conceição Pacheco Borges. A primeira edição é de 1974, com reedição pelo ICM - IPOR em 1995.
Livro de contos (7) de fácil leitura e apenas 50 páginas que aborda sobretudo a sociedade chinesa, "os seus usos e costumes", dando especial atenção às mulheres.

sábado, 19 de julho de 2014

"O Turismo em Macau": 1929 (2ª parte)

Macau, terra de turismo
“Mgr. Fourquet, Bispo de Cantão, escrevendo sobre Macau, ‘cujo nome evoca um passado de glória’, chama-lhe ‘um farol da mais bela cultura do mundo, uma opulenta relíquia do passado, à qual deve respeito, veneração, louvor e reconhecimento’. Sir John Bowring consagrou a Macau o nome de ‘Pérola do Extremo-Oriente’. Eudore de Colomban disse: ‘Macao! Mais c’est lénchantement dans la réalité, le rêve dans sa splendeur, le calme dans le mouvement, le silence dans la Majesté, l’isolement dans le passé!’ ‘Jamais il n’y eut, sous le ciel d’Asie, de cité plus êtrange!’ ‘Jamais on n’eu connut d’aussi historique, d’aussi pieuse et d’aussi attrayante’!
E quantos outros visitantes de Macau não sentiram e pensaram como os que acabamos de citar, sem que tenham escrito as suas impressões! Cremos que, tudo isto que apontamos, basta para dar a Macau justificados foros de terra de turismo. Mas não são só os seus velhos pergaminhos e as suas lindas paisagens e exóticos costumes que dão a esta colónia verdadeiro motivo de reclame para o turismo. Há mais.
A vida do europeu no Oriente é uma vida intensa de trabalho e de esgotamento, que o clima auxilia e agrava. Na generalidade, os grandes centros onde vivem europeus, como Xangai, Hongkong, Cantão, Saigão, etc., são campos de luta activa, de movimento intenso onde as forças se depauperam, pelo que necessitam de repouso periódico.
Macau, se bem que ofereça hoje actividades que há anos não tinha, ainda é um meio de grande quietação comparado com os outros empórios orientais, e tem um clima incomparavelmente melhor. O clima de Macau não pode comparar-se com o magnífico clima de Portugal! Mas comparado com o do norte da China, de Xangai, por exemplo, onde se sentem as temperaturas extremas, desde o intenso frio das ruas cobertas de neve ao calor tórrido que amolece o asfalto, ou com o da tropical Indo-China e até com os das tão vizinhas cidades de Cantão e Hongkong, o clima de Macau oferece uma superioridade tão manifesta e tão grande, que muito é de admirar que, em quase quatro séculos da nossa ocupação desta minúscula mas privilegiada península, não tivessemos ainda atentado devidamente nesta circunstância, com o que muito beneficiaria não só a colónia como todos os que neste clima pudessem e desejassem procurar descanso e encontrar alívio para os seus males. Macau é, pois, com todas as comodidades que os seus magníficos e modernos hotéis proporcionam, uma terra apropriada para uma estação de repouso e de cura dos europeus que no Oriente trabalham.
A propósito vem citar mais uma passagem do artigo do autor já citado, Sydney Greenbie, a respeito de Macau: ‘Esta velha cidade verdejante tinha-se tornado o grande empório para o comércio europeu no Leste da Ásia, e era por meio dela que todos os estrangeiros no Oriente iam comerciar ou em busca de repouso e distracção’. Isto é: desde há séculos que os estrangeiros procuravam Macau também como estação de repouso e de recreio. Sem que seja necessário um estudo comparativo entre os elementos climatológicos de Macau e doutros centros europeus importantes do Extremo Oriente, basta esta simples e insuspeitíssima indicação extraída do terceiro volume do ‘China Sea Pilot’, página 430, para confirmar o que deixamos exposto: ‘Durante a estação quente, Macau, ficando aberta à monção do Sudoeste, é mais agradável e salubre do que Hongkong, que fica apenas a 40 milhas de distância’. (...)”
Em defesa do turismo e do jogo
“Esta nossa colónia tem, pois, condições climatéricas excepcionais para o estabelecimento de uma estação de repouso, com sanatórios, onde uma parte da população europeia, que labuta nestes climas exaustivos, podia, com toda a facilidade, encontrar o alívio que, em geral, com grandes sacrifícios tem de ir procurar ao seu país natal. Este assunto, deve notar-se, já foi considerado, e ainda ultimamente correu em Macau que uma empresa australiana viria explorar uma instalação de sanatórios na ilha da Taipa ou de Coloane, que oferecem, para aquele efeito, ainda melhores condições de salubridade do que Macau.
Mas, entre outros, um óbice se levanta a uma realização desta natureza: o jogo. A instalação duma estação de repouso destinada a gente dispondo de meios de fortuna, necessariamente exige a existência de casinos e outros meios de diversão, e, portanto, o estabelecimento do jogo. Porém, o jogo em Macau constitui de há muito o ‘leitmotiv’ de quantos pretendem denegrir a nossa acção colonizadora no Oriente, a ponto de se ter espalhado pelo mundo a blague insidiosa de que Macau é a ‘Mónaco do Oriente’. (No Guide Madrolle ‘Baie de Há-Long’ de 1925, publicado pela casa Hachette, ainda se vai mais além: chama-se a Macau o ‘Monte Carlo Asiático’!)
Os chineses são, por índole, essencialmente jogadores! Jogam com tudo, a propósito de tudo, tanto dentro de casa como no meio da rua, servindo-se até só dos dedos quando não têm outro instrumento para jogar: mas, de todos os jogos, o ‘Fan-Tan’ é o que mais os apaixona, jogo que nós, ‘bárbaros do ocidente’, não apreciamos tanto como eles. Na China inteira joga-se e em Macau permite-se só o ‘Fan-Tan’, que é frequentado quase exclusivamente por chineses e proibido aos funcionários da colónia. E nisto se resume o Monte Carlo do Oriente! Se o jogo é permitido em certos locais de luxo e de prazer, porque não há-de sê-lo também em Macau, devidamente regulamentado, como está em vários países da Europa, e até em Portugal?

Macau tem muitas possibilidades comerciais e industriais, sendo de esperar que continuem a progredir; mas tem também condições turísticas de primeira ordem que seria um crime não aproveitar nem fomentar.(...) O turismo pode e deve, pois, tornar-se uma das mais importantes indústrias desta colónia, que hoje com a nova estrada para Seac-Ki, é uma porta aberta para a China, por Cheong-San. A criação de sanatórios nas ilhas, que tem todos os requisitos exigidos para estâncias modernas, onde os europeus que vivem no Extremo Oriente pudessem descansar e retemperar as suas forças, com que se poupariam, não só a eles mas aos próprios governos, frequentes e dispendiosas viagens à Europa, impõe-se por uma forma tão clara ao nosso espírito que não vemos razão plausível que obrigue a retardar, por mais tempo, a execução de uma tão importante medida. As corridas de cavalos, feitas num dos campos melhores e mais bem situados do Extremo Oriente, subordinadas a um plano convenientemente organizado e seguido, poderiam contribuir para, em determinadas épocas, chamar a Macau grande quantidade de forasteiros, que viriam dar à colónia a vida que lhe falta, o que seria enormemente facilitado com o estabelecimento de comunicações bastante mais rápidas entre Hongkong e Macau. Mas também é preciso continuar a embelezar e a modernizar Macau, e a facultar-lhe todos os meios para o seu desenvolvimento.
Muito há já feito em Macau para valorizar as suas excepcionais condições de turismo; mas muito falta ainda fazer para concluir o seu inteiro aproveitamento, e para manter esta colónia à altura do que representa: o expoente máximo da beleza do nosso passado de aventuras heróicas e nobres tradições”.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Luís Demée: 1929-2014


Pintor e professor universitário, Luís Luciano Demée nasceu em Macau a 8 de Novembro de 1929 sendo um dos pintores de referência do século XX. Morreu em Portugal no dia 15 de Julho último. Na adolescência foi discípulo do seu mestre e amigo George Smirnoff (1903-1947), arquitecto e pintor de origem russa. "Todavia, a partir de uma abordagem simples e realista da pintura, Demée evoluiu gradualmente até ao desenvolvimento do seu próprio estilo, como revelam as suas composições pictóricas inovadoras e pessoais."
Em 1951 realizou a sua primeira exposição individual, que recebeu boas críticas, e participou em exposições do Hong Kong Art Club, em Macau. No ano imediato obteve uma bolsa da Caixa Escolar de Macau, o que lhe permitiu matricular-se no curso de Pintura da Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa. Em 1953, pediu transferência para a Escola Superior de Belas Artes do Porto, onde prosseguiu os estudos. 
Durante os anos 50 participou na XX Missão Estética de Férias da Sociedade Nacional de Belas-Artes (1957), dirigida por Abel Viana e integrou a selecção de pintura enviada à I Bienal de Paris (1959), onde recebeu uma bolsa de estudo da Federação dos Críticos de Arte de Paris. Quando concluiu o Curso Superior de Pintura mudou-se para Paris, enquanto bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian. Em 1960 apresentou a sua tese na Escola Superior de Belas Artes do Porto, tendo obtido a classificação de 20 valores, com distinção e louvor. No ano seguinte, foi convidado a leccionar nesta escola. 

Numa primeira fase, desenhou edifícios e ruas mas a partir de certa altura a sua pintura foi-se tornando abstracta. Pintou murais, frescos, pinturas em vidro, tapetes e obras em acrílico para o Palácio de Justiça do Sabugal, bem como para vários hotéis e prédios públicos. António Conceição Júnior, que conheceu L. Demée diz que ele "é um dos mais importantes pintores portugueses da sua geração, que escolheu a via do recolhimento e da discrição para se exprimir, fugindo às ribaltas fáceis que sempre foram excessivas para o seu temperamento."
Ao longo dos 85 anos de vida participou em diversas exposições, quer em Portugal (Porto, Lisboa, Amarante, Viana do Castelo, Matosinhos e Vila Nova de Cerveira), quer no estrangeiro (França, Espanha, Alemanha, Luxemburgo e Brasil), quer em Macau. Na terra onde nasceu expôs, por exemplo em 1985 (mostra retrospectiva no Museu Luís de Camões), em 1991 e entre os finais de 2006 e meados de 2007 no Museu de Arte de Macau, com 73 aguarelas e 16 esboços criados entre 1945 e 1958. António Conceição Júnior, comissão da exposição escreveu: "Feitas por um adolescente, as 91 obras expostas evidenciam à saciedade o enorme talento que transpirava do jovem Luís Demée".
Luís Demée está representado no Centro de Arte Contemporânea, Museu Nacional de Soares dos Reis e Fundação de Serralves – Museu de Arte Contemporânea, no Porto; no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian e Centro Científico e Cultural de Macau em Lisboa; Museu de Ovar; Museu Municipal Amadeo de Souza Cardoso, em Amarante; Museu Luís de Camões, em Macau; e em colecções particulares espalhadas por Portugal, Brasil, EUA, Inglaterra e Alemanha.
Recebeu a Medalha de Valor da Secretaria de Estado de Cultura e a Medalha de Macau apresentados pelo Leal Senado. Em 1999, foi agraciado com a Medalha de Ouro do Cidadão (Emérito) do Governo de Macau.
Com a sua morte desaparece o homem que "retratou algumas das mais notáveis cenas do antigo porto de pesca  nas suas
aguarelas e desenhos." Em declarações à Rádio Macau, A. C. J.: "Sempre o conheci e reconheci como sendo o maior pintor macaense de sempre. E duvido que haja alguém que possa ombrear com ele e com a sua obra. [...] Sinto que Macau perdeu o seu mais representativo artista em qualquer das etnias".

quinta-feira, 17 de julho de 2014

"O Turismo em Macau": 1929 (1ª parte)

O título e artigo deste post é da autoria de Jaime do Inso (oficial da Armada portuguesa) e fez parte de um volume intitulado “Macau – a mais antiga colónia europeia no Extremo Oriente”, impresso na Tipografia do Orfanato da Imaculada Conceição e apresentado na Exposição de Sevilha, em 1929. Desse texto destaco esta frase... “É de admirar que Macau sendo tão pequena possa apresentar à observação de quem a olha os aspectos mais variados e surpreendentes”.
No final da década de 1920 o turismo em Macau não tinha praticamente expressão mas Jaime do Inso aponta um conjunto de argumentos que apontam o turismo como o grande potencial de desenvolvimento de Macau a que chamou "A jóia das terras do Oriente".
“A China, apesar de todos os seus ‘dessous’, perigos e desilusões, tem, para quem saiba estudá-la, aquele encantamento próprio do Oriente. Macau, envolta na mesma atmosfera, num ambiente tantas vezes triste e enigmático como uma interrogação suspensa sobre a fatalidade do destino, participa e conserva uma parcela desse encantamento que a China tem. Bastava isto, se mais não houvesse, para lhe dar uma feição, uma qualidade muito apreciável e favorável para o turismo.
Mas há mais, muito mais mesmo, que torna Macau, ‘a Cidade Santa’, a ‘Jóia das Terras do Oriente’ – como lhe chamou o escritor inglês Dyer Boll –, um verdadeiro mimo de beleza neste longínquo Oriente. (...) É que, na verdade, pela sua configuração orográfica, pela sua situação, pelos tons das suas edificações, pela pátina do tempo, impressa como um selo do nosso passado aventureiro, Macau oferece paisagens surpreendentes pela variedade com que se sucedem, encantadoras pela suavidade com que se desenham, e originais porque diferem muito das que oferecem as outras colónias europeias no Extremo-Oriente. Daí os encantos que a maior parte dos visitantes encontram neste pequeno torrão lusitano, onde cada pedra dos vetustos muros do antigo burgo português, como que por milagre posto à beira de Cathay, representa uma estrofe de epopeia e de visão.

O jornalista americano Swift Kirtland, que, há pouco tempo, durante uma viagem de turismo à roda do mundo, esteve em Macau, declarou que o impressionara muito o panorama da cidade, que em nada se assemelhava ao que até então tinha visto pelo Japão e pelo resto do Oriente, vindo encontrar aqui construções, hábitos e outras características que demonstram bem a existência duma influência diferente da que existe nas outras colónias ou concessões estrangeiras na China. Impressionou-o ainda o sossego e o ambiente de paz que se sentia por toda a parte, e o facto dos chinas viverem aqui como em terra chinesa e dos europeus lidarem com eles como se não fossem de outra raça. Surpreendeu-o também não haver separação entre as moradias ou bairros chineses e europeus, bem como a limpeza das ruas, ainda mesmo daquelas onde predomina o elemento china, chegando Macau a parecer-lhe, em certos pontos, uma bela propriedade particular e cuidadosamente tratada. Muito o interessaram as velhas fortalezas, coevas algumas dos primeiros tempos da nossa ocupação, e foi motivo de grande admiração ver algumas lorchas armadas com antigas peças de artilharia. Tais são as impressões, que aquele turista levou de Macau e que traduzem, na verdade, muitos dos aspectos desta cidade.

Perspectiva do Largo do Senado a partir da Travessa do Roquete: década 1930
Sydney Greenbie, num artigo publicado na importante revista americana ‘Asia’, de 1925, a páginas 824-825, diz sobre Macau, entre outras coisas, o seguinte: ‘As suas casas apalaçadas, que se elevam sobre montes que tanto apanham as brisas do sudoeste como os furacões, chocam todos os visitantes ocidentais como a amostra de um paraíso’. Parece-nos que pouco mais se poderá dizer sobre a beleza duma cidade e que de poucas cidades se poderá dizer outro tanto”.
Paisagens de Macau
“Efectivamente, os aspectos de Macau são encantadores, e tornam esta cidade privilegiada pelos seus panoramas, tão variados e interessantes, tão típicos, caprichosos e originais, neste ambiente de paz, de quietação e de imensa suavidade, de português e chinês, com muito de antigo e moderno. É de admirar que Macau sendo tão pequena, uma minúscula mancha de casas na vastidão de Cheong-San, possa apresentar à observação de quem a olha os aspectos mais variados e surpreendentes. Só vendo certos cambiantes deste meio e deste céu, onde tanta vez paira um indecifrável véu de nostalgia, se pode avaliar bem o que Blasco Ibañez escreveu no segundo volume de ‘La Vuelta al Mundo de un Novelista’: ‘Si me preguntan cuál es la sensación más honda y duradera de mi viaje alrededor del mundo, tal vez afirme que el viaje de Macao á Hong-Kong, sobre un mar dormido como una laguna, bajo de la cúpula de una noche esplendorosa, con el incentivo de marchar en el misterio, costeando peligros y casi al ras de las aguas’. É, assim! Contemplar, por exemplo, do alto da Penha, a rada de Macau, numa noite de luar, é um espectáculo que dificilmente esquece. Beleza majestosa e calma que nos prende a fala numa voz de silêncio; saudade imensa, indecisa, onde vemos uma interrogação figurada em cada mancha negra das lorchas, de largos braços abertos naquele imperturbável mar de prata. As paisagens de Macau!

Tristes, nostálgicas como uma dor convulsa em fúria de tufão, ou, alacres, rubras de luz e de sol como um canto tropical, as paisagens de Macau são lindas e prendem; têm uma nota indefinível, indecifrável, que participa deste mistério, deste encantamento da China e que fala ao nosso sentimento pela voz da tradição. O ponto dominante das paisagens de Macau é a montanha da Guia, onde serpenteia uma estrada para automóveis. Passemos por lá, de relance. Durante o caminho, como que por encanto, paisagens lindas e variadas se sucedem. À medida que o sol vai descendo, a tarde vai-se tornando mais amena e calma! Um tosco banco de pedra à beira da estrada convida-nos a descansar. A nossos pés desdobra-se a cidade; e os montes altos da Lapa e doutras terras mais distantes mergulham já na meia penumbra da luz que morre, deixando no céu listas rubras.
Os bairros de Tap-Siac e Patane, cujo casario é colorido, alegre, dão-nos um aspecto de terra de Portugal, a que o som de uns panchões que estralejam empresta a cor local, da China, que nos envolve nesta atmosfera de sonho e enigma que paira sobre nós.

As verdejantes encostas da Guia vão abrigando os últimos pássaros que recolhem aos ninhos; arriam-se as bandeiras nos velhos fortes; tangem os sinos da nossa terra, num frémito de saudade! É a hora das Ave-Marias, calma e simples, como nos campos de Portugal! Há em tudo que nos rodeia como que uma unção impregnada da China, impregnada de mistério! Paisagens de Macau!” (continua)

quarta-feira, 16 de julho de 2014

The Leisure Hour: 1857


Newspaper from 1857 with an article: "Personal Recollections of the Last War with China",  memoirs of an Englishman who arrives in Macao in December 1839 at a time when the English were banned from the island.  Article doesn't say how he evaded border controls but his friend was caught and imprisoned in Canton. 
Este jornal de 1857 inclui um vasto artigo sem ilustrações sobre um inglês que chega a Macau em 1839 fugindo de Hong Kong depois do início da 1ª guerra do ópio (1839-42) entre a Grã-Betanha e a China. A segunda guerra do ópio ocorreria entre 1856 e 1860. Na origem do primeiro conflito está o facto dos ingleses em 1830 terem obtido a exclusividade das operações comerciais no porto de Cantão. Importador de seda, chá e porcelana, então em moda no continente europeu, a Inglaterra tinha grande dificuldade comercial em relação à China. Para compensar as suas perdas, a Grã-Bretanha vendia ópio indiano para o Império do Meio(China). O governo de Pequim resolveu proibir o comércio do ópio e isso levou Londres a declarar guerra à China.

terça-feira, 15 de julho de 2014

Macau no filme天長地久 (Everlasting Love) de 1955

Grande parte deste filme de Hong Kong (1955) foi filmado em Macau. Aqui ficam alguns shotscreens... de uma película que contou com a participação da conceituada cantora de ópera chinesa, Hung Sin Nui (1927-2013). Os protagonistas chegam a Macau a bordo do ferry Fat Shan e visitam alguns pontos da cidade: Fortaleza do Monte, aterros da Praia Grande, Penha, Ruínas de S. Paulo, Hotel Bela Vista, Jardim de Camões, Grand Hotel Kuok Chai, etc...