sábado, 28 de janeiro de 2012

Maçonaria em Macau

Muito se tem escrito sobre o papel da maçonaria na implantação da República em Portugal e também no papel decisivo que a Carbonária nela terá desempenhado como braço armado da primeira. Todavia, para além de uma ou outra referência bibliográfica, não é muito o que se sabe da acção destas organizações na instituição do regime republicano em Macau. É certo que os dados escasseiam (mesmo em Portugal), mas do que se conhece pode concluir-se que a Maçonaria também aqui desempenhou papel equivalente ao da sua congénere da “Metrópole”.
Evento em Macau onde são bem visíveis as bandeiras da monarquia: a morte/nascimento de um rei/príncipe?
O mesmo não se poderá dizer da Carbonária. Sobre esta associação secreta a bibliografia não é abundante, mas pelo menos existem alguns trabalhos, de certo detalhe, identificando-a essencialmente como o “exército civil” que apoiou os heróis da Rotunda nos acontecimentos que culminaram no dia 5 de Outubro de 1910. Um dos seus chefes era o próprio Machado dos Santos. O outro era Carlos da Maia que viria a governar Macau em 1914. Todavia, sobre a organização no Território o silêncio é absoluto. Embora a história de associações desse género seja sempre difícil de fazer dado o grau de secretismo de que se rodeavam pode dizer-se, com razoável certeza, que o silêncio que reina se deve apenas ao facto da organização não ter existido de todo na então colónia portuguesa da China, pelo menos nesse período. A única referência à Carbonária em Macau diz respeito à estada na cidade de cinco dos seus elementos presos por subversão em Portugal que para aqui foram exilados em 1898. Os cinco teriam, pouco depois da chegada, tentado aliciar alguns militares no sentido de sublevar a guarnição, prender o Governador e proclamar a República. A tentativa fracassou e os cinco voltaram a ser detidos cumprindo o resto da pena de exílio a que tinham sido anteriormente condenados, mas agora mais longe ainda, ou seja em Timor. Refira-se todavia que o relato destes factos se baseia apenas em alusões breves sem citação de fontes reproduzidas nalguma bibliografia relativa à história do movimento anarquista em Portugal e nada mais.
No que toca à Maçonaria o caso é bem diferente. A sua acção em Macau está relativamente documentada graças ao trabalho de investigação de alguns autores com destaque para o historiador A. H. De Oliveira Marques. Assim sabe-se hoje que o papel dos “pedreiros livres” na colónia portuguesa, reunidos em torno da “Loja Luís de Camões” foi decisivo não só na proclamação da República, como posteriormente no afastamento da elite dirigente monárquica e na consolidação do novo regime. De facto a “Loja Luís de Camões” incluía no seu seio um grande número de funcionários públicos de todos os escalões, militares da marinha e do exército, para além de advogados, engenheiros e jornalistas, ou seja o escol da colónia. Assim não é de admirar que o próprio ajudante de campo do último governador monárquico (Eduardo Marques) Álvaro de Melo Machado tenha sido escolhido para o substituir dois meses depois da proclamação do regime republicano.
Melo Machado era maçom desde 1907 tendo aderido nesse ano à loja lisboeta “Liberdade”. Aqui chegado passou, naturalmente a integrar-se nos quadros da “Loja Luís de Camões”. Para além deste à mesma loja pertenciam também, outros vultos que desempenhariam papel fulcral no rumo político que o Território haveria de tomar no futuro. Entre muitos conta-se com particular destaque a figura bem conhecida de Constâncio José da Silva, advogado jornalista e polemista, proprietário e redactor do jornal “A Verdade”que esteve na primeira linha do republicanismo na campanha pelo afastamento das figuras de proa da monarquia. Constâncio inspirou nomeadamente o levantamento das tropas que cercaram o Palácio da Praia Grande e obrigaram à ponta das baionetas o governador Eduardo Marques a publicar as novas leis da república que insistia obstinadamente em guardar na gaveta. Outro jornalista que ficaria para a posteridade pelas suas relações de medianeiro entre os revolucionários republicanos chineses e as autoridades locais, amigo pessoal de Sun Yat-sen (fundador da República da China) e igualmente redactor e proprietário de vários jornais era Francisco Hermenegildo Fernandes, figura sobre a qual muito se tem escrito e de quem ainda hoje pouco mais se sabe a não ser o que ele próprio de si deixou publicado.
O mais pode resumir-se à frieza de um currículo constante na “Repartição dos Assuntos Sínicos” onde era tradutor e os dados oficiais inclusos nos autos que contra si foram levantados pelos tribunais em diversos processos por alegado abuso de liberdade de imprensa que contra si foram movidos. Com menor destaque, mas não menos eficácia política salientou-se também o coronel José Luís Marques, um dos fundadores da maçonaria organizada em Macau que ocuparia durante largos anos a presidência do Leal Senado. Igualmente pouco citado, mas bem inserido nos centros de decisão encontrava-se o seu camarada de armas António Antunes, igualmente co-fundador da “Loja Luís de Camões”, que nos anos subsequentes a 1910 comandaria a Polícia de Segurança Pública.
Outro advogado de renome e republicano estrénuo pertencente à mesma loja era Damião Rodrigues, personalidade cujo perfil já abordei aqui em anteriores artigos igualmente devido às suas ligações estreitas à revolução republicana da China e também pelo combate desassombrado que travou, especialmente, contra a ditadura do “Estado Novo” de Salazar, já numa fase adiantada da sua vida. Para além dos nomes citados muitos outros o poderiam ser. O poeta Camilo Pessanha, que dispensa biografias, mesmo maçónicas, que outros já fizeram e com pormenor, seria um deles. Deste destaque, necessariamente limitado, fica excluído Rosa Duque, porventura um dos mais combativos jornalistas republicanos de Macau, que com a aproximação do golpe de 28 de Maio de 1926 chegou a anunciar na primeira página do jornal “O Combate” a sua  filiação maçónica e o alto grau de que era detentor naquela organização iniciática. A exclusão deve-se apenas ao facto de no momento em que a república se instaurava nos confins do Oriente, se contar entre os sargentos que na Rotunda, de armas na mão, com Machado Santos, sofriam o cerco e as arremetidas das tropas fieis a D. Manuel II comandadas por Paiva Couceiro.
Este breve artigo não ficaria completo sem uma referência curiosa que parece subscrever o dito do rei D. Carlos segundo o qual “Portugal era uma monarquia sem monárquicos”. Seria? Não se sabe! O que se sabe é que, em Macau, Bernardino de Senna Fernandes, 2º Conde de Senna Fernandes, tal como o ex-realista seu homónimo, Presidente Bernardino Machado, era já maçom e republicano numa época em que a monarquia vigorava em pleno e a República não passava de um ideal cuja concretização até entre os seus correligionários gerava dúvidas.
Texto da autoria de João Guedes publicado no seu blog - que volto a recomendar - Tempos D'Oriente.

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