sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Macau entre duas crises: 1640-1688

Mapa séc. XVIII
São anos de profunda perturbação, provocada pelo dramático termo do comércio entre Macau e o Japão. Foi este um golpe tão duro que, durante anos e anos a fio, devia ele pairar, como fantasma agoirento, sobre os destinos da pequena república macaense. De tal modo afectou os seus habitantes que, a cada passo, se discutiria a forma de reconquistar a simpatia nipónica. Dir-se-ia que Macau não poderia viver sem o comércio japonês.
O Japão, todavia, não se mostrava interessado na chegada de navios portugueses a Nagasaqui, como antes sucedia. Por um lado, tinha-se já desenvolvido suficientemente a sua própria indústria da seda, podendo dispensar, portanto, a que antes importava da China. Por outro lado, Holandeses e Ingleses forneciam-lhe tudo quanto podia desejar. Mas... não era o comércio português que, em si, repugnava ao Japão. Era o cristianismo de que os Portugueses eram teimosos arautos.
Tinham-se, com efeito, passado os áureos anos da expansão cristã, vividos durante o século XVI. Logo em 1616, a navegação europeia, no Japão, viu-se limitada nos seus movimentos, sendo admitida apenas nos portos de Nagasaqui e de Hirado. Convém
explicar que, desde o início do século XVII, outros europeus havia no Japão. A via do Japão podia considerar-se já uma «rota batida», aberta a qualquer iniciativa europeia. O Cristianismo não se apoiava só em missionários portugueses. Outros havia, igualmente zelosos, vindos sobretudo das Filipinas. Os budistas não tinham dificuldade em chamar a atenção do povo para o carácter estrangeiro da nova religião. Isto, não obstante o número, sempre crescente, de sacerdotes e irmãos japoneses. Em 1624-1625, principiou a perseguição a sério, cortando-se as relações com a Espanha, o México e as Filipinas. Esta medida foi particularmente sentida em Macau, visto saber-se no Japão que Portugal, unido à Espanha, obedecia ao mesmo rei que era reconhecido no México e nas Filipinas. Apesar disto, conseguiram os macaenses iludir as intenções japonesa, e continuaram as ligações comerciais Macau-Nagasaqui.
O crescendo da perseguição aumenta em 1633-1634. Proíbe-se toda a navegação estrangeira, incluída aportuguesa, com raras excepções. Complemento natural desta legislação é o decreto de 22 de Junho de 1636, a insistir não só na proibição da navegação estrangeira, mas a vincar também a proibição de qualquer navegação japonesa. O Japão tinha-se decidido a viver só, por si e em si, sem qualquer contacto com o exterior.
Quanto ao Cristianismo, desceu à clandestinidade e nela se manteria até 1865, quando o p.e Petitjean, das Missões Estrangeiras de Paris, entrou em contacto com japoneses, verdadeiros cristãos. Imagine-se a alegria destes, ao certificarem-se que tais missionários eram efectivamente iguais aos dos do século XVII. Com efeito: veneraram a Mãe de Deus, eram celibatários e obedeciam ao Padre Santo de Roma!
Em fins deste ano de 1636, principia a notar-se alguma agitação na península de Shimabara, ilha de Kyushu. Os seus habitantes, quase todos agricultores, seguiam, em grande maioria, a religião cristã. Haveria certamente motivos de carácter social a apoiar o seu descontentamento, mas o que mais os unia era a religião - o Cristianismo. A revolta, a princípio mal definida, ia toando cada vez mais ameaçadora, para estalar decisiva em fins de 1637. Não havia dúvida: era uma revolta de gente japonesa, mas cristã. Os revoltosos, calculados entre 20 000 a 37 000 homens sem se contarem mulheres e crianças, concentraram-se todos no castelo de Hara. O cerco, por tropas fiéis, durou três meses. Nas escaramuças travadas, os sitiantes, alguns 1000 000 verificaram que os cristãos estavam dispostos a morrer. Assim aconteceria, com efeito. O assalto final iniciou-se a 12 de Abril de 1638, para terminar, em massacre final, três dias depois. Os sitiados haviam, no entanto, vendido bem caras as suas vidas, calculando-se as baixas dos atacantes em cerca de 13 000 homens.
A forma como os cristãos de Shimabara se haviam defendido teve como resultado imediato o abandono de um plano de invasão da ilha de Luzon, nas Filipinas, pelos Japoneses, auxiliados pelos Holandeses. Era plano afagado havia bastante tempo. Agradava, ao mesmo tempo a japoneses e a holandeses. Empresa arriscada, sem dúvida, e de resultados imprevisíveis. Mas o facto impunha-se: se inexperientes camponeses cristãos, talvez 30 000 homens, se haviam defendido de tal forma, enfrentando 100 000 soldados profissionais, como se poderiam defender os cristãos de Luzon?
Outro resultado, quase imediato, da revolta de Shimabara foi o total isolamento do Japão. Os Portugueses seriam as primeiras vítimas desta atitude. Estava mais que provado que «português» era sinónimo de «cristão». Ora, tal credo religioso não convinha ao Japão. A decisão era grave, mesmo para o Japão, pois os comerciantes macaenses deviam bastante dinheiro a capitalistas nipónicos. As autoridades japonesas, porém, passaram por cima desta facto.

Concretizou-se a ameaça logo no ano seguinte, em 1639. Mal imaginava o Capitão Vasco Palha de Almeida, quando, à frente de dois navios comerciais, entrou no porto de Nagasaqui, o que o esperava. Não o deixaram sequer cumprimentar as autoridades. Entregaram-lhe secamente cópia de novo édito de 5 de Julho de 1639, a proclamar que tinha terminado de vez o comércio entre Macau e Nagasaqui. O Japão rejeitava, de vez, o Cristianismo. Os Portugueses não poderiam mais desembarcar em território japonês. Se o fizessem, esperá-los-ia a morte. oi esta a triste notícia que o Comandante Vasco Palha de Almeida teve de comunicar em Macau. É fácil imaginar a consternação provocada por tal anúncio. Que seria da cidade sem o comércio Japonês?
Capítulo "Introdução" do livro de António da Silva Rego, edição de 1977

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