quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Miguel José D'Arriaga (1776-1824) - Segunda parte

Foi com os portugueses que a história de Macau teve a sua maior evolução, após a ocupação da região, no século XVI, com a fundação de um entreposto comercial entre o Oriente e o Ocidente e a inicial permissão dos chineses. Em 22/06/1802 chegou a Macau, como Ouvidor (autoridade da Coroa Portuguesa que superintendia todos os ramos administrativos públicos), Miguel José d’Arriaga, filho da mais alta estirpe das Ilhas, formado em Coimbra, fidalgo e Cavaleiro da Ordem de Cristo, Conceição e Torre Espada, do Conselho de Sua Majestade. Homem extremamente culto havia trabalhado como juiz, por algum tempo, em Lisboa, no Bairro da Ribeira (9/5/1800).
Nas terras do Oriente, sua personalidade respeitosa e dinâmica capacidade governativa deram-lhe logo fama. Fundou uma escola de pilotagem, uma fábrica de pólvora, um colégio para missionários, uma Casa de Seguros, criou um batalhão provincial de infantaria, mandou alguns chineses estudar em Coimbra e estimulou outros a matricularem seus filhos nessa mesma Universidade. Promoveu no pequeno espaço macaense a igualdade de direitos civis, aboliu o imposto das SISAS (imposto sobre as transacções comerciais), estimulou e desenvolveu o comércio marítimo entre os portos da Ásia, Portugal e Brasil. Fomentou a emigração chinesa para esse país no intuito de levar a cultura do chá para terras sul americanas. Diplomaticamente, apaziguou litígios entre Inglaterra e China e marcou definitivamente sua presença na história de Macau com o episódio da queda da pirataria chinesa do século XIX.
Naquele tempo quando se fazia da pirataria modalidade de vida, Cam-Pau-Sai, o Tigre dos Mares, aterrorizava o Mar da China. Arriaga, contrariamente à posição das anteriores autoridades portuguesas que faziam vista grossa a essa actividade, porque esta mantinha distraída e em constante sobressalto a autoridade chinesa e com isso interferia pouco nas decisões macaenses, resolveu encarar o assunto de outra forma. Declarou a pirataria um crime e com a comparticipação de três mandarins mais interessados, montou uma potente armada às suas próprias custas e dos cofres do Estado para acabar com tal situação. Empenhou-se nessa tarefa de corpo e alma. Ele próprio dirigia os preparativos. Muitas vezes trabalhava como calafate, para dar exemplo e estimular a actividade dos operários. Pronta a esquadra, lançou-a ao mar, ligeira, resoluta, combativa. Mas aos primeiros embates viu-se só. Fugiram os chineses apavorados. Tiveram os portugueses que lutar e subjugar o inimigo, cercando-o na embocadura do rio Hiang-San. Miguel Arriaga, mostrando destemor e respeito pelo vencido foi até Cam-Pau-Sai sem escolta e com a rendição, tomou com ele o chá da boa amizade. Para os mandarins foi um grande milagre que transformou o Ouvidor num venerável homem, pelos chineses respeitado e admirado. Benévolo, o açoriano intercedeu pelo ex-pirata junto ao Imperador que o aceitou como funcionário.
Subjugado mais pelo nobre carácter de Arriaga e em agradecimento ao tratamento e confiança nele depositados, Cam-Pau-Sai ofereceu-se para combater uma esquadra pirata que não se rendera e que ainda fazia estragos. Desconfiado, o Imperador do Celeste Império não aceitou a oferta e resolveu enviar uma armada chinesa, que foi de logo desmantelada. Mais uma vez o Ouvidor foi procurado e outra vez Arriaga recomendou a que aceitassem a oferta de Cam-Pu-Sai. O que de facto ocorreu. Derrotados os piratas, levou-os para Cantão, onde foi recebido com triunfo e ovação.
Quando Miguel José d’Arriaga morreu (13/12/1824), minado por doença prolongada, após ter ficado exilado em Cantão devido a intrigas e invejas palacianas e ter voltado a Macau em glória, como queriam os macaenses, com honrarias e reconhecimento reais pelo grande trabalho feito nessa parte do mundo português, foi pranteado por todos que viram nele o exemplo de homem enérgico e de carácter, o filantropo e grande estadista que serviu de modelo e orgulho para todo o Português.
Artigo de Maria Eduarda Fagundes - Uberaba, 6 de Janeiro de 2007

A seguir, excerto de um texto do Capitão José do Nascimento Moura.

(...) Arriaga, que para alguns passou por ser o Marquês de Pombal de Macau, descendia de uma família nobre da ilha do Faial e foi tio-avô do primeiro Presidente da República Portuguesa, Dr. Manuel de Arriaga, Filho de José de Arriaga Brun da Silveira e de D. Francisca J.B. da Câmara, foi cursar leis na Universidade de Coimbra, concluindo a sua formatura em 1800, tendo 24 anos de idade.
Pelo favor da Corte e pelos seus merecimentos pessoais ascendeu no mesmo ano ao cargo de Juis do Crime do Bairro da Ribeira, em Lisboa, sendo pouco depois promovido a desembargador da Relação da Índia, com o cargo de Ouvidor de Macau e tendo superintendência sôbre Alfândega, Câmara, Fazenda, Orfãos, Confrarias, Capelas, Defuntos e Ausentes.
Tendo chegado a Macau em 28 de Julho de 1802, e tmando posse do seu cargo, imediatamente se revelou "um digno ministro, honra dos togados e coluna forte da glória nacional", como disse José Inácio de Andrade, onze anos depois da sua morte. Arriaga, que "sabia que a justa distribuição dos prémios e das penas é a melhor acção do govêrno sôbre o povo, servia-se desta principal mola do coração humano para animar a virtude e o mérito e obrigar o interêsse particular a promover o interêsse público".
Amante da justiça e tendo no mais alto grau a dignidade da sua profissão e o orgulho da pátria a que pertencia, tinha a meúdo a frase que bem se podia pôs diante de todos os governantes portugueses: " Os favores dados à incapacidade são roubos, feitos ao merecimento, e as recompensas dadas a quem serve a Pátria são dívidas que o Govêrno para por elas".
Sem descurar por um instante o que mais lhe cumpria, Arriaga, pelo ano de 1805, levou os chineses a reconhecerem e a respeitarem a nossa soberania, fazendo julgar pela nossa justiça um caso de assassínio em Macau, na pessoa de um chim, feito por um siamês. Quando o almeirante Drury quis ocupar Macau, o pretexto de defender esta nossa colónia dos franceses, foi Arriaga quem conseguiu que aqueles retirassem com uma provocada ameaça dos chineses, e que êstes, por fim, em número de 80.000, que se achavam dispostos a marchar sõbre Macau, desistissem do seu seu intento.
Infestando os mares da China e ameaçando a própria dinastia chinesa o célebre pirata Can-Pau-Sai, foi Arriaga quem combinando e preparando o ataque que o havia de fazer render-se, aprestou os navios, e do seu próprio bolso mandou construir duas canhoneiras para tal fim. No encontro de Arriaga com os mandarins e Can-Pan-Sai, para tratar da rendição, o Tigre do Mar - como era conhecido, - dirigindo-se a Arriaga disse-lhe: "Grandes motivos me fazem render e tratar convosco da minha capitulação para entrar na classe dos "Colaos", como me prometeste pelo Imperador.
Mas confesso-vos que o principal foi conhecer o fulcro da alavanca destruidora do meu poder. Já vos vi; estou satisfeito. Devo muito à natureza e à minha assídua aplicação; mas em tudo me achop convencido por vós". E voltando-se para os mandarins; "Tendes por experiência de 14 anos visto quão poderos e vigilante foi o meu sceptro: sabeis agora da minha bôca que o valor português foi quem o destruiu. Aqui me tendes: espero que metrateis como homem livre e destemido".
Arriaga, segundo descreve Andrade, era "dotado de presença cavalheiresca e gentil, de uma fisionomia onde se compadeciam os índices do génio com os da maior bondade do coração e de maneiras tão urbanas como sedutoras", conciliava o respeito com a familiaridade, sendo a sua casa o asilo de todos os malfadados. As suas dávidas a albergues, a viúvas e orfãos; a vacinação, de que pela primeira vez se fês uso na China quando as epidemias devastavam a população; a distribuição de alimentos, quando a fome batia à porta dos desamparados, e outros actos de generosidade e filantrofia, sobretudo quando as tempestades açoutavam a colónia e deixavam sem asilo as suas vítimas, fizeram-no adorado pelos pobres e humildes.
Deles disse, na sua conferência no Instituto de Macau, intitulada "Silhouettes portugais d´Asie", o meu venerando amigo e erudito escritor e investigador histórico Padre Regis Gervais (Eudore de Colomban) a quem Macau tanto deve, e a quem o nobre Portugal, por ele tão exaltado na imprensa nacional e estrangeira, tem em aberto uma dívida de gratidão que cêdo ou tarde tem de ser paga:
"Ce latin de haute souche et d´education privilégiée, fut le Ricci civil de la Chine au 19 siécle; et l´Histoire qui l´oublie, devrait inscrire son som dans fastes les plus memorables que l´Europe a dressés en Asile depuis Marco-Polo.Car son rôle social dans ces contrées de tourmente chronique ne se borna pas à rehausser le bon renom portugais, mas encore à révéler aux Jaunes la science do pouvoir rayonnant d´un barbares d´Europe, que n´etait pas comme les autres. L´on parle beaucoup et avec raison à Macao de l´energie civique du lieutenante de Mesquita qui, avec une poignée de volontaires, mit en fuite une armée d´envahisseurs; I´on vante aussi la fermeté du gouverner Amaral qui paya de industrie d´Arriaga sa douce bonhomie qui lui gagne tous les coeurs, et qui le dispense, pour remporter haut la main les plus belles victoires, de verser son propre sang et celui d´un peuple ombrageux qui avait appris à l´aimer. Oh! si l´idée venait un jour aux édiles de cette cité, d´élever une statue à ce grand citoyen, nous serions tous fiers de le désigner du doigt aux passants et de leur dire: Ce fut Arriaga, dernier champion en Chine de l´homeur Européen."

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