sábado, 12 de março de 2016

Macau e a primeira Grande Guerra: 1ª parte

Este ano assinala-se o centenário da participação de Portugal na primeira guerra mundial, conflito que durou entre 1914 e 1918. Na manhã de 9 de Março de 1916, o Barão Friederich Von Rosen, embaixador do Império Alemão em Portugal, deslocou-se ao palácio das Necessidades em Lisboa levando consigo a declaração de guerra. A entrada de Portugal na guerra foi uma opção política com custos económicos e humanos imensos. No final as colónias, incluindo Macau, continuaram portuguesas. Já antes abordei o tema aqui no blogue mas desta vez sugiro a perspectiva 'oriental' num artigo (dividido em duas partes) da autoria do jornalista e investigador João Guedes.
Legenda de uma fotografia publicado na revista Ilustração Portugueza: "Palácio do Governo: Comissão de senhoras trabalhando na confecção dos artigos de agasalho destinados aos feridos de guerra"
O assassinato do arquiduque Francisco Fernando em Sarajevoque desencadeou a 1ª Grande Guerra Mundial foi apenas o percutor de um conflito latente que apenas precisava de uma justificação, fosse ela qual fosse, para eclodir. De facto na era dos caminhos-de-ferro a Alemanha e a Grã-Bretanha eram duas locomotivas a avançar a pleno vapor em sentidos contrários na mesma ferrovia sem que aos maquinistas ocorresse que era necessário mudar de agulha para fugir ao desastre. Ainda hoje se debate sobre quem, nesse contexto, assumiu o papel de agressor. Essa discussão, porém, parece pouco contribuir para a compreensão de um conflito que era de facto inevitável. É que, voltando à alusão ferroviária, os “maquinistas” das duas locomotivas já não dominavam as máquinas limi tando-se fatalisticamente a aceitar que o Mundo se encontrava inexoravelmente em rota de colisão.
As causas da Primeira Grande Guerra Mundial estão hoje bem determinadas prendendo-se essencialmente com a entrada da Alemanha na expansão colonial por um lado e com a corrida aos armamentos, nomeadamente através do plano de desenvolvimento da marinha germânica que significava uma ameaça directa ao domínio absoluto dos mares exercido até então pela Grã-Bretanha. A Alemanha entrou tardiamente na corrida imperial ultramarina e mais tarde ainda na busca de uma presença na China, que conseguiu obter em 1898 com o estabelecimento de uma colónia na localidade portuária de Tsingtao, na província de Shandong. Esta presença foi conseguida (senão mesmo extorquida à China) a pretexto da protecção dos missionários alemães alegadamente ameaçados pelas forças “antiestrangeiras”que se organizavam e ganhavam terreno no Império.
Este movimento viria a culminar com a revolta dos “boxers” que eclodiria dois anos mais tarde ao abrir do pano para o século XX (1900). Rapidamente a Alemanha transformaria Tsingtao num activo entreposto comercial cuja estrutura seria completada com a construção de cais de acostagem que passariam a abrigar o comando naval da esquadra alemã do Pacífico constituída por vários navios de guerra entre os quais sete dos mais modernos cruzadores que a indústria naval alemã, em plena  expansão, tinha produzido.
Corpo de Voluntários de Macau, uma ideia do Governador Carlos da Maia
A potência destruidora dessa esquadra seria demonstrada já durante a guerra na batalha naval de Coronel (junto à ilha do mesmo nome nas costas do Chile). Este recontro travado no início de Novembro de 1914 culminou com a derrota da esquadra inglesa. Tratou-se da primeira derrota britânica significativa em dois séculos de supremacia naval indisputada.
da Inglaterra. A vitória alemã era adivinhada muito antes e a base naval de Tsingtao vista como uma ameaça directa e uma “intromissão intolerável de um recém-chegado” ao concerto das potências coloniais que já desde, pelo menos, a “Conferência de Berlim” (1884) tinham dividido os seus domínios coloniais e estabilizado esferas de influência. Nesse contexto de confronto asiático a tensão geopolítica incrementava-se tendo em conta que Tsingtao fechava estrategicamente o domínio da bacia do Pacífico onde a Alemanha tinha colonizado vários arquipélagos (Ilhas Bismark, Marshal e parte do arquipélago de Samoa). Para além da ameaça directa à Grã-Bretanha a presença alemã no Extremo Oriente inquietava naturalmente as restantes potências europeias, mas também o Japão que prosseguia igualmente uma política colonial de expansão regional nomeadamente no Nordeste Asiático.
De entre as potências coloniais a que menos se encontrava representada na China em termos de extensão territorial) era Portugal que apenas possuía a sua colónia de Macau constituída por uma península onde se erguia a cidade com uma população de cerca de 120 mil habitantes, e duas pequenas ilhas (Taipa e Coloane), praticamente sem potencial militar nem capacidade de defesa face à pequenez das suas dimensões. Tendo essas circunstâncias em conta dir-se-ia que Macau não teria qualquer importância no vasto contexto político militar do Extremo Oriente. Mas a realidade era exactamente a oposta. Para Portugal, era essencial que cada uma das suas possessões ultramarinas participasse activamente nos planos político militares que os aliados lhes destinassem, fossem eles quais fossem independentemente das dimensões geográficas de cada uma. Isto tendo como fim último a preservação do seu todo colonial (principalmente africano) sempre exposto à cobiça das potências europeias mais fortes, sem excluir a velha aliada Inglaterra. A entrada de Portugal na guerra foi pois um imperativo ditado pela preservação das colónias cujo reconhecimento foi assegurada desde logo através de uma declaração de Londres em que “o governo britânico pedia expressamente a Lisboa que não declarasse neutralidade nem participação na guerra. Em contrapartida assegurava que: “...ao abrigo da aliança anglo-portuguesa, o Reino Unido reconhece o direito de Portugal às colónias africanas, contra as pretensões ou iniciativas da Alemanha”. Essa declaração vinha ao encontro das expectativas portuguesas postando-se como uma garantia contra eventuais acordos de partilha das suas possessões pelas potências vencedoras no final do confronto.
Tendo em conta a conjuntura que marcava o limiar da eclosão da Grande Guerra, onde se avolumavam nuvens de borrasca negras de dúvidas no horizonte geopolítico mundial, Macau apesar de diminuta geograficamente valia tanto para Portugal como as grandes colónias africanas de Angola e Moçambique, ainda que nas garantias inglesas as possessões asiáticas portuguesas (Goa, Macau e Timor) não tivessem merecido menção. Parece ter sido essa omissão a razão essencial que leva  Lisboa a quebrar com uma tradição secular na escolha de governadores para Macau que recaía entre os militares que iniciavam carreira na administração colonial, nomeando em vez disso, um peso  pesado da política portuguesa, Carlos da Maia. (continua)
Artigo da autoria de João Guedes publicado no Ponto Final de 31.12.2014

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