quarta-feira, 15 de junho de 2016

A exoneração do Governador Sanches de Miranda

 Rua de Sanches de Miranda, ex-governador de Macau, ao longo dos tempos.
Excertos da Sessão do Senado (Parlamento português) de 23 de Abril de 1914 a propósito de uma interpelação de Pedro Martins ao Ministro das Colónias (Lisboa de Lima) acerca do Governador de Macau (Sanches de Miranda) que seria exonerado do cargo.
(...) O Sr. Ministro das Colónias (Lisboa de Lima). — Sr. Presidente, ouvi com toda a atenção as considerações do Sr. Pedro Martins ás quais vou procurar responder, muito especialmente no que elas se referiram a factos que, pode entender-se, serem da minha responsabilidade. Com relação á primeira parte da interpelação do Sr. Pedro Martins, a verdade é que se em épocas anteriores á da minha entrada para o Govêrno, se deram factos, a respeito dos quais se travou larga discussão, só me cumpre acatar as opiniões que sôbre êles foram apresentados pelo Senado. (Apoiados).
Ao tomar conta da pasta das colónias, encontrei-me diante do seguinte facto. Estava nomeado Governador interino de Macau o Sr. Sanches de Miranda.
O Senado podia então manifestar se, e votar qualquer moção para que a nomeação do Governador interino de Macau fôsse substituída imediatamente e nos termos da lei por uma nomeação definitiva; eu tinha uma maneira fácil de atender a essa manifestação; trazer ao Senado a proposta para nomeação definitiva do Sr. Sanches de Miranda para governador de Macau.
Sr. Presidente, eu venho, desde longa data defendendo a opinião de que entre outras cousas que tem feito demorar o desenvolvimento das colónias, se não mesmo atrasar êsse desenvolvimento tenho afirmado que um dos motivos que tem impedido o seu progresso é a facilidade que havia na mudança dos governadores. (Apoiados).
Quando eu assumi a gerência da pasta das colónias, desde logo fiz tenção de não deslocar dos lugares onde se encontravam os governadores das províncias ultramarinas, a não ser que êles tivessem manifestado que não estavam á altura da missão que lhes incumbia.
Eu como já por mais duma vez tenho dito ao Senado, não pertenço a nenhum agrupamento político; mas ainda que tivesse filiação partidária, continuaria nesta questão de governadores a defender o princípio de que estas frequentes mudanças tem sido uma má prática que não pode nem deve continuar porque afecta considerávelmente o desenvolvimento das colónias.
Um indivíduo toma conta do governo de uma colónia, e, quando, passado algum tempo, começa a estar habilitado a conhecer das suas necessidades e dos seus problemas, e a indagar dos meios de os resolver, é substituído por outro, só porque na metrópole houve mudança de Govêrno. Logo que tomei conta da pasta das Colónias resolvi não realizar nenhuma mudança de governadores das províncias ultramarinas, a não ser que motivos poderosos determinassem essa substituição.
Sanches de Miranda, major, quando foi nomeado como Governador de Macau em 1912
Encontrei o Sr. Sanches de Miranda governando a colónia de Macau em condições excepcionais; na minha primeira impressão foi trazer imediatamente ao Senado uma proposta para a sua nomeação definitiva, regularizando assim a situação. Nenhuma dúvida devia ter em tomar tal resolução, visto que desde que a República se implantou tem êste oficial desempenhado cargos de grande importância e responsabilidade que certamente não lhe teriam sido cometidos se porventura êle não tivesse demonstrado não possuir todas as qualidades para os desempenhar cabal e completamente.
Eu não tinha motivos, absolutamente nenhuns, para não pensar assim e não devia ter hesitação em procurar confirmar o Sr. Sanches de Miranda por que êle nem mostrou desejos de deixar o lugar; e com efeito ao contrário do que fizeram os outros governadores, nem sequer cumpria a formalidade de pedir a sua demissão ao novo Ministro, embora se considere o cargo de governador da confiança do Ministro.
O Sr. Sanches de Miranda limitou-se, ao saber da constituição do actual Govêrno, a enviar um telegrama dizendo que a província estava em pacificação e que tudo corria regularmente. Eu estava por isso perfeitamente à vontade, para fazer a confirmação do Sr. Sanches de Miranda, e decerto o teria feito se factos de diversa natureza me não obrigassem a sobreestar nessa resolução.
Aqui tem V. Exa. Sr. Presidente o que se passou com o Sr. Sanches de Miranda nos primeiros dias do actual Govêrno. Começaram, porêm depois, a aparecer notícias de certa gravidade acêrca de factos passados em Macau e que me puseram de sobreaviso levando-me a não efectivar a confirmação do Sr. Sanches de Miranda como governador naquela província sem que a situação se esclarecesse convenientemente. Apareceu depois o caso a que se referiu o Sr. Dr. Pedro Martins na segunda parte das suas considerações.
Era um conflito de gravidade. Estava no Ministério das Colónias a acusação feita pelo governador ao delegado do procurador da República em Macau.
Mandado ouvir êste funcionário sôbre as acusações que lhe eram feitas respondeu enviando directamente ao Ministério a sua defesa em vez de o fazer por intermédio do Governador.
O meu antecessor entendeu dever ouvir o Governador sôbre a defesa do delegado e enviar-lhe para Macau essa defesa, que, por não ter sido ainda devolvida de Macau, eu não consegui ainda ver. Já instei pela vinda do processo para o Ministério das Colónias, pois constitui êle precioso elemento de informação para regular o meu proceder acêrca do Govêrno de Macau; o processo não voltou ainda. Não desejando proceder levianamente sôbre o caso, indispensável era conhecer o processo completamente.
Mas por êsse e outros casos recentes em Macau precisei de ouvir o Sr. Sanches de Miranda e por isso lhe comuniquei que viesse a Lisboa conferenciar comigo. O Sr. Sanches de Miranda pediu para se demorar algum tempo mais na colónia para acompanhar um concurso importante que em breve se realizaria. Tratava-se da situação em que êle tinha trabalhado largamente, fazendo com que a nova arrematação rendesse trinta e nove vezes mais do que até então tinha rendido, esta e ainda outras circunstâncias que se davam em Macau fizeram-me compreender a necessidade de não mandar retirar o Sr. Sanches de Miranda imediatamente.
Êle porêm já se encontra em viagem para Lisboa, e nestas circunstâncias e ainda que tivesse, fartas medidas para o exonerar de governador tal não faria sem que êle em Lisboa se me apresentasse para o ouvir. Se, porêm, e apesar de tudo, o que supus o Senado entendeu que a única forma de ser mantida a lei é exonerar o Sr. Sanches de Miranda, eu cumprirei essa resolução do Senado.
Assume a presidência o Sr. Abílio Barreto.
O Sr. Pedro Martins: — Entende que, esteja ou não aberto o Parlamento, impõe-se ao Sr. Ministro das Colónias o dever de insistir, mais ainda, de ordenar, que lhe seja enviado todo o processo do bacharel Correia Mendes com a defesa dêste e a informação do governador; e isso rapidamente para que se adie o menos possível o momento de fazer justiça.
Precisa o Sr. Ministro das Colónias qualquer informação do Sr. Sanches de Miranda para saber que êle não tinha direito a impor a suspensão disciplinar do bacharel Correia Mendes? A atitude do Senado nesta questão é clara e está definida. O Sr. Ministro das Colónias não espera decerto que esta Câmara arrepie caminho nessa atitude. O Senado não tem nem pode ter, em relação ao Sr. Sanches de Miranda, senão a opinião de que êle não pode manter-se mais à testa do Govêrno de Macau. Mais ainda. O Senado quere que o Poder Executivo intervenha por qualquer acto, de forma a restabelecer-se o império da lei. Neste sentido, manda para a Mesa a seguinte
Moção: O Senado, ouvidas as explicações do Sr. Ministro das Colónias, entende que o império da lei se deve manter, exonerando o Sr. Sanches de Miranda de governador de Macau. = Pedro Martins. Foi aprovada. Foi lida e admitida.
O discurso será publicado na íntegra quando o orador restituir as notas taquigráficas. O Sr. Ministro das Colónias (Lisboa de Lima): — Aceito a moção, visto que está em harmonia com as minhas declarações. (...)

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