quinta-feira, 28 de julho de 2016

Os Macaenses – Herança e Memórias de Portugal em Macau

Linda Rika Naito, uma académica japonesa apaixonada por Portugal e por Macau, foi a vencedora da mais recente edição (19ª) do Prémio Literário “Rodrigues, o Intérprete” atribuído pela Embaixada de Portugal em Tóquio (Japão). 
O livro abrange uma pesquisa extensiva sobre “Os Macaenses”, a história da comunidade macaense, negócios entre Macau e o Japão e entre Portugal e a China, a situação depois do retorno da soberania de Macau para a China, outras culturas daquela região e entrevistas com vários macaenses.
Segue-se um excerto de um artigo/entrevista da autoria de Liane Ferreira publicado no Jornal Tribuna de Macau a 3.12.2014:
No livro “Os Macaenses – Herança e Memórias de Portugal em Macau”, Linda Rika Naito sustenta que macaense é um “termo sem definição”. “Nunca existiu um conceito fixo”, explicou a autora, enumerando que podem ser identificados oito factores necessários para considerar alguém como sendo macaense: descendência portuguesa; nascido em Macau; educação de origem portuguesa; falante de português; ser católico; ser reconhecido como Macaense pela comunidade macaense; possuir uma certa “portugalidade” – ou seja, “fortes laços culturais e espirituais com Portugal” – e por último um “forte apego ou amor por Macau”.
Considerando que na fase inicial do nascimento da comunidade macaense, a “condição básica da identidade macaense era ser descendente de português e ter nascido em Macau”, Linda Rika Naito afirma que a evolução e diversificação dos macaenses conduziu à inclusão de novos factores para a definição do conceito.
Assim, e como os macaenses têm um historial de diáspora, resultando em novas gerações, o facto de ser nascido em Macau também deixou de ser considerado como condição fundamental. “Os macaenses possuem uma longa história de imigração a outros países e territórios”, disse, ao salientar que “actualmente a maioria da população macaense vive fora de Macau, o que significa o surgimento de gerações de macaenses não nascidas” no território. “Portanto o factor de ser nascido em Macau já não é considerado essencial para ser macaense”.
No mesmo sentido, devido à forte influência chinesa, ser descendente de português deixou de ser um elemento “decisivo”, apesar de ainda ser importante. De acordo com a académica, tal mudança deve-se à redução da população portuguesa, mas também à “diminuição da importância da descendência portuguesa para manter o estatuto social”. “A nova geração de macaenses está cada vez mais a contrair casamento com chineses de Macau e de Hong Kong e muitas das suas crianças já não possuem aparências portuguesas ou ocidentais”.
“O factor mais importante para determinar o macaense não é a sua origem, mas a ‘portugalidade’, se foi criado num ambiente de vida à portuguesa no qual seja possível construir uma etnicidade culturalmente e espiritualmente ligada à comunidade macaense”, entende a professora, que integra o Departamento de Estudos Luso-Brasileiros da Faculdade de Estudos Estrangeiros da Universidade Sophia, no Japão.
Linda Rika Naito destaca que ficou “impressionada com a velocidade do aprofundamento das influências chinesas”, após o estabelecimento da RAEM, sendo “significativa a diminuição do número de macaenses descendentes de portugueses e também de estudantes que frequentam o ensino em língua portuguesa”. “A existência de privilégios políticos e de carreira profissional para os portadores de factores chineses, está a desestimular os mais jovens na preservação dos laços com Portugal”, frisou.
Durante o seu trabalho de pesquisa, a académica entrevistou cerca de 20 personalidades da comunidade macaense, com idades que variavam entre os 20 e 60 anos, incluindo Miguel de Senna Fernandes, António Conceição Júnior, Rita Santos, Jorge Rangel e José Pereira Coutinho, questionando-os sobre o futuro da comunidade e as mudanças na identidade macaense depois da transferência de soberania do território.
Destes encontros, a investigadora sublinha que existe “uma clara divisão” entre optimistas e pessimistas. Enquanto os primeiros acreditam na preservação da comunidade porque esta se tem caracterizado pelo ajustamento e adaptação às diferentes realidades, os pessimistas acreditam na “assimilação à sociedade chinesa” e consequente desaparecimento do macaense.
Linda Rika Naito frisa que os optimistas apontam para o “nascimento de uma nova identidade macaense”, que “aceita a realidade de ter nascido e crescido em Macau, tendo como raiz identitária o profundo laço com a sua terra natal”. “Em suma, é uma identidade que não possui relações com a ‘portugalidade’, ou seja que não está espiritualmente ligado a Portugal e não possui valores e bases de pensamento português. Uma identidade que também não possui no núcleo da sua identidade o forte nacionalismo e a fidelidade à China como cidadão chinês”, destacou. No entanto, a académica alerta que esta direcção significa uma “certa afiliação com a comunidade chinesa com a qual historicamente existiu barreiras”, não sendo “uma tarefa fácil”.
Ressalvando que após a década de 70 foi registado um aumento do número de casamentos entre macaenses e chineses nascidos no território, criou-se uma geração que já se encontra a constituir família. “Desta forma, as barreiras e os obstáculos antes existentes gradualmente desaparecerão e as novas gerações serão portadoras de um maior amor a Macau”, mantendo a característica única “muito diferente” das outras cidades chinesas. Para a académica, nascerá assim “a identidade do macaense independente de Portugal e da China, abrindo novas portas para o seu futuro”. (...)

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