sexta-feira, 9 de março de 2018

O Ópio visto pelo Conde de Arnoso e por Jaime do Inso

"A casa não é muito vasta e é cheia de cubículos com as camas onde se fuma ópio, verdadeiras alcovas abertas nas paredes com uma simples tarimba; os alísares dos vãos são guarnecidos por finas e delicadas grades de madeira trabalhada. Em todas as casas há muitas destas grades a meio mesmo das salas formando divisórias. A cama ou tarimba é forrada com uma esteira. São espaçosas para dar logar a dois amigos fumarem ao mesmo tempo. No centro da cama e sobre um taboleiro de charão dispõem-se os cachimbos, a lâmpada do alcool, a pequenina caixa com o ópio e o estilete metálico com que se carrega o cachimbo. Contra a parede do fundo encostam-se os dois pequenos travesseiros chinas, duros como pedras, pois são sempre de madeira. Os cachimbos têm a forma de compridas flautas com o depósito para ópio atarrachado numa das extremidades. O depósito é bojudo e gordo, apesar de ser apenas atravessado por um estreito orifício. É rica a mobilia do club, de tamarindo com incrustações de mármore". (...)
Deitado ao comprido e de lado sobre a cama, com a cabeça encostada sobre o duro travesseiro, principiou por desatarrachar devagar e com amor a pequenina caixa onde estava o ópio; em seguida, acendeu a lâmpada e, tomando com a ponta da haste de metal um pouco de ópio gelatinoso, levou-o à chama. Ardendo como lacre, fazia girar a haste para o não deixar cair. Passados alguns minutos e reduzido já o ópio a uma pequena bola rescendente de perfume, introduziu-a, chegando também a chaminé do cachimbo à chamma, no orifício do depósito. Sempre deitado, era com delícia e paixão, e com os olhos. meios cerrados, que aspirava o aroma subtil".
Conde de Arnoso in Jornadas pelo Mundo (1895)
“…Paremos, agora, em frente dum nebuloso aspecto da China: o fumo do ópio!
O ópio é um polvo imenso, cujas raízes se estendem por todo o Mundo. A êle andam ligados interesses que representam milhões; o ópio é um dos grandes mistérios da China. Não tentemos devassa-lo, mesmo que seria inútil; basta que dêle observemos um aspecto e tenhamos uma idéia, tal como nós é transmitida através da tela impressionante e trágica – podemos dizer – que representa o interior dum fumatório de baixa classe. Na tela, do lado esquerdo, vê-se a entrada para um fumatório de classe superior.
Nunca fumei ópio; as primeiras tentativas são desagradáveis, causam um malestar parecido como o enjôo do mar. O mal do ópio, que tão bem se revela nos fácies das vítimas representadas nesta tela, não pode ser debelado duma forma radical e imediata, – o assunto tem sido regulado por conferências e acordos internacionais – mas o governo da China tem-se mostrado incansável na repressão dêste terrível vício, e a Colónia de Macau , vítima escolhida para permanentes quão injustos ataques, sempre que se trate de campanhas contra êste estupefaciente – como se todo o ópio que se consome na Terra fosse produzido e exportado da minúscula Macau! – a Colónia tem cumprido escrupulosamente o estipulado naqueles acordos internacionais.
O ópio fabricado em Macau, é muito apreciado no Oriente, e, tal como sucede com o vinho do Pôrto, sofre da fraude das imitações, havendo uma marca – a marca Leão, que se vende em pequenas caixas – que é a mais usada pela gente do mar, que tem tido muitas imitações, andando muito espalhada, e êste é um motivo a juntar a muitos outros, porque se atribuem a Macau culpas no negócio do ópio que não lhe cabem. "
Excerto de uma conferência de Jaime do Inso denominada “Quadros de Macau” in Fausto Sampaio, Pintor do Ultramar Português. Agência Geral das Colónias, Lisboa, 1942

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